A imprensa também está com a imagem na lama
Por Paulo Polzonoff Jr.
Só observamos. O apresentador do telejornal mais importante do Brasil anuncia com um “estardalhaço compungido” que está indo para o Rio Grande do Sul atingido pela enchente. Mas só depois do show da Madonna. Para piorar, ele pega carona num avião da Força Aérea Brasileira. O resultado é que o apresentador, antes admirado e querido, hoje precisa estar cercado por seguranças para realizar seu trabalho. E a gente só observa.
Assim como observamos uma outra jornalista tirar a voz do entrevistado, do povo, só porque ele contraria a versão do governo – aquela que deve ser reproduzida na marra, se não o Paulo Pimenta te pega, te pega daqui, de pega de lá. E, enquanto observamos isso, não é que acontece de novo? Outra jornalista, conversando com outro entrevistado que faz as mesmas críticas e expressa a mesma insatisfação com o governo, é interrompido. E a gente, compenetrado na tarefa de observar.
De observar e de retratar uma realidade especialmente incômoda: a de que o querido jornalismo (ou a imprensa ou “a mídia”) está com a imagem na lama. Não queríamos que estivesse, mas está. Deve haver um ou mais culpados por isso. Não sabemos quem são e, neste momento, não importa. O que importa é tentar entender como chegamos a este ponto e como sairemos deste lamaçal de desconfiança. Uma desconfiança que está para o jornalismo assim como a desonra está para as Forças Armadas.
E o que parece é uma primeira explicação para isso está justamente na relutância em observar a realidade. Ou, por outra, em aceitar essa mesma realidade. Uma realidade que talvez quem sabe não condiga com o ideal de mundo, de país, de governo ou de futuro que os jornalistas têm em mente. Mas que não pode, meu Deus!, não pode ser omitida nem corrompida em nome desse mesmo ideal. E em assim observando chamamos o intertítulo para continuarmos.
É com uma mistura de tristeza e fascínio que testemunhamos este momento histórico em que o jornalismo decidiu mandar “às favas os escrúpulos de consciência” para abraçar e reproduzir a narrativa oficial, trabalhando como porta-voz do regime. Na cara dura! E se ainda fosse só isso, tudo bem. Afinal, a imprensa está longe de ser uma instituição imaculada. Longe disso! Mas, neste caso, não é apenas da bajulação oportunista a um político ou partido que estamos presenciando. É de algo mais grave.
Porque, nessa estratégia francamente suicida, a imprensa decidiu tratar o público espectador, ouvinte ou leitor, eu e você, você e eu, como inimigos. Como adversários. Como extremistas. É uma postura beligerante, antagônica e de muita hostilidade, que estabelece uma relação simplesmente insustentável. E, a julgar pelo que temos observado nos vídeos que chegam do Rio Grande do Sul, parece que a ruptura dessa relação já começou. Será que eles não estão preocupados?
Talvez não. Afinal, no Rio Grande do Sul a imprensa tem exercido papel, ou melhor, papelão parecido com o de um passado bastante recente. Durante a pandemia de Covid-19, por exemplo, o jornalismo arriscou a credibilidade (e perdeu) para impor a narrativa cientificista. Antes das eleições de 2022, a mesma coisa: os anseios da parcela da população que desconfiava das urnas eletrônicas foram ignorados para que se acatasse a verdade oficial de que todo o sistema eleitoral brasileiro é infalível. E quem discordasse ou apenas tivesse um pé atrás era tratado como antidemocrático ou golpista. Aliás, alertam para o perigo de simplesmente apontar que havia (há) pessoas desconfiadas. Parece que podemos até ser preso. Perdão pelo vacilo.
O que não entendemos nessa postura é a dificuldade que a imprensa como um todo demonstra em servir ao público – mesmo àquela parcela que, por miopia ideológica, os jornalistas consideram “extremistas”. Ora, se há mentiras ou exageros, cabe ao jornalismo esclarecer com respeito o que é falso, o que é verdadeiro e o que é “a justificativa oficial”. Na qual jamais, nevah-evah, em hipótese alguma se deve acreditar cegamente.
Cabe ao jornalismo (pedindo desde já perdão pela “palestrinha”) partir do pressuposto óbvio de que o público é vítima, senão do Estado, da chuva. E ele, o público que tinha na imprensa uma aliada e hoje se sente traído, vai utilizar todos os meios possíveis (às vezes até a mentira ou o exagero) para expressar sua indignação: a indignação legítima de um povo confuso, que paga zilhões em impostos para sustentar um Estado (esse, sim, um mentiroso contumaz) que insiste em lhe prometer um paraíso inalcançável.