Associações entre exposição ao calor excessivo e prematuridade
A elevação das temperaturas durante a noite pode interferir nos ritmos circadianos e, possivelmente, afetar a pressão arterial, o que representa uma preocupação para as gestantes. Com a previsão de um aumento nas temperaturas extremas devido ao aquecimento global, uma pesquisa publicada no JAMA Pediatrics e conduzida durante 20 anos na Austrália avaliou se há uma associação entre a exposição prolongada ao calor durante o terceiro trimestre da gravidez e o aumento do risco de parto prematuro, bem como o fator atenuante da exposição a árvores e a vegetação em geral.
Metodologia
O estudo realizado foi uma coorte de nascimentos ocorridos em Sydney, Nova Gales do Sul, Austrália, de 2000 a 2020, usando dados da New South Wales Midwives Data Collection. Participantes com dados incompletos sobre endereço residencial ou que residiam fora da região durante a gravidez foram excluídos. Os dados foram analisados entre março e outubro de 2023.
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As exposições avaliadas incluíram a vegetação medida pelo índice de vegetação por diferença normalizada (normalized difference vegetation index – NDVI) e cobertura arbórea por imagens de satélite. O calor extremo diário e noturno foi definido como temperatura acima do percentil 95 específicos da comunidade e trimestre.
Utilizando modelos de regressão logística, a associação entre o calor extremo e o parto prematuro (TBP) foi estimada, ajustando para diversas covariáveis. Foi incluído um termo de interação entre a exposição ao calor extremo e a vegetação. Uma interação significativa foi observada, permitindo a estimativa do número de partos prematuros evitáveis associados ao calor, considerando a presença de vegetação.
Resultados
Foram analisados 1.225.722 nascimentos, com uma idade gestacional mediana de 39 semanas (IQR: 38-40) e uma maioria de 631.005 meninos (51,5%). Um total de 63.144 foi de partos prematuros (idade mediana: 35 semanas; 34.822 meninos, representando 55,1%).
A exposição ao calor extremo diário e noturno durante o terceiro trimestre esteve associada a um aumento significativo no risco de parto prematuro. As razões de chances ajustadas (odds ratio – OR) foram de 1,61 (intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 1,55-1,67) para calor extremo diário e 1,51 (IC 95%: 1,46-1,56) para calor extremo noturno. As taxas de parto prematuro foram mais elevadas entre os expostos em comparação com os não expostos (7,5% vs 4,9% para calor extremo diário; 7,1% vs 4,9% para calor extremo noturno).
A associação entre a exposição ao calor extremo e o parto prematuro variou conforme a quantidade de vegetação nas áreas de residência das gestantes. Gestantes que residiam em áreas mais verdes apresentaram menores chances de parto prematuro. A presença de maior vegetação reduziu significativamente o risco de parto prematuro associado ao calor extremo diário em 13,7% (IC 95%: 2,3%-15,1%) e ao calor extremo noturno em 13,0% (IC 95%: 0,2%-15,4%).
Conclusão
Os resultados desse extenso estudo de coorte de nascimentos indicam uma associação negativa entre a exposição ao calor extremo e o parto prematuro, com a presença de áreas verdes exercendo um papel moderador. Aumentar os espaços verdes nas comunidades residenciais pode ser uma medida eficaz para prevenir a prematuridade relacionada ao calor. Essas conclusões ressaltam a importância de integrar estratégias para lidar com o calor e melhorar a vegetação no planejamento urbano e nas intervenções de saúde pública.
Comentários sobre a relação entre calor e problemas na gravidez
O estudo oferece uma perspectiva valiosa sobre os efeitos da exposição prolongada ao calor intenso durante a gravidez e sua relação com o aumento do risco de parto prematuro. Destaca-se a importância do ambiente urbano e da presença de áreas verdes na redução desses riscos. A análise abrangente dos dados de uma grande população de nascimentos fortalece as conclusões e sugere que políticas urbanas voltadas para o aumento da vegetação em áreas residenciais podem desempenhar um papel crucial na diminuição dos casos de parto prematuro relacionados ao calor. No entanto, são necessárias pesquisas adicionais para uma compreensão mais aprofundada dessas relações e para o desenvolvimento de estratégias de intervenção mais eficazes.
No contexto brasileiro, esse estudo pode ter implicações significativas, especialmente em regiões onde as altas temperaturas são frequentes e podem se intensificar devido às mudanças climáticas. Considerando que o Brasil é um país tropical, onde o calor excessivo já é uma realidade em muitas áreas, a compreensão dos impactos da exposição a temperaturas altas na gravidez é crucial para a saúde pública. Políticas e intervenções que visam aumentar as áreas verdes em ambientes urbanos podem ser particularmente relevantes em cidades brasileiras densamente povoadas e sujeitas a ondas de calor. Além disso, a conscientização sobre os riscos associados à exposição a altas temperaturas durante a gravidez pode orientar medidas preventivas e programas de saúde materno-infantil.
No entanto, adaptações específicas às condições e características climáticas do Brasil seriam necessárias para uma aplicação eficaz das conclusões deste estudo no contexto brasileiro. Seria maravilhosa e de grande valia a realização de estudos como este em nossa população.
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Autor
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
- Mohanty S, et al. Increased Risk of Long-Term Disabilities Following Childhood Bacterial Meningitis in Sweden. JAMA Netw Open. 2024;7(1):e2352402. DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2023.52402