Uma década atrás, Loco Abreu “cavou” seu lugar na história do Botafogo: “Tinha que ser daquele jeito”
Das efemérides que o glorioso passado do Botafogo permite recordar, a do dia 18 de abril de 2010 é especial por diversos motivos. Difícil de acreditar que, neste sábado, completa-se uma década da ocasião em que o time comandado por Loco Abreu conquistou o título do Campeonato Carioca, e o uruguaio “cavou” seu lugar na história do clube.
A cobrança de cavadinha que selou a conquista alvinegra no Maracanã foi a cereja do bolo de uma narrativa que contou, por exemplo, com uma volta por cima impressionante do Botafogo dentro do próprio campeonato e o fim da sequência de fracassos diante do mesmo Flamengo.
“O jogador tem que entender que, quando vai jogar uma final, você tem que conhecer o histórico dessa final”, disse Loco Abreu em participação recente no “Troca de Passes”.
Loco Abreu, do Botafogo, comemora gol de pênalti marcado sobre Bruno, do Flamengo — Foto: Alexandre Durão/GloboEsporte.com
Pois bem, essa história começa com uma goleada…
6 a 0 para o Vasco, troca de treinador e chegada de Joel
Contratação mais midiática do Botafogo na temporada – e dos anos anteriores -, Loco Abreu fez sua estreia no clássico contra o Vasco pela terceira rodada da Taça Guanabara, no Nilton Santos. Foi um desastre gigantesco. Titular, o uruguaio pouco tocou na bola e saiu no intervalo. O time de Philippe Coutinho e Dodô deu um baile e venceu por 6 a 0 – até hoje a maior derrota como mandante do Botafogo para o rival cruz-maltino.
Dodô fez um hat-trick ainda no primeiro tempo, com Loco Abreu em Campo. No segundo, Léo Gago e Coutinho (duas vezes) selaram o passeio.
Os gols de Botafogo 0 x 6 Vasco pela 3ª rodada da Taça Guanabara 2010
– Para quem conhece a história, a gente começou esse ano muito mal. Se lembra do clássico contra o Vasco? A gente tomou de seis. Foi minha estreia, estava com essa ansiedade, essa vontade de jogar. Aí o Estevam Soares disse, do jeito que ele sempre fala, “gringo, vou te tirar porque senão todo mundo vai xingar para c***”. Me tirou para não ficar tão ruim. No segundo tempo, tomamos mais três. A gente foi massacrado – recorda o uruguaio.
O resultado culminou no desligamento do técnico Estevam Soares. Apesar das vitórias nas duas primeiras rodadas (3 a 2 sobre o Macaé e 2 a 0 sobre o Friburguense), a avaliação foi de que uma resposta deveria ser dada após a goleada. Estevam reconheceu na ocasião que foi pego de surpresa com a demissão.
Estevam Soares foi o técnico do Botafogo nas três primeiras rodadas do Carioca 2010 — Foto: Jorge William/Agência O Globo
Joel Santana surgiu como favorito para assumir o cargo. Ele estava livre no mercado desde que havia se desligado da seleção da África do Sul, no ano anterior. O trabalho com os sul-africanos, com quem chegou às semifinais da Copa das Confederações em 2009, eliminado pelo Brasil com gol de falta de Daniel Alves, rendeu bastante prestígio ao técnico brasileiro. Chegou com moral ao Botafogo.
“Aí veio essa figuraça do Papai Joel”, relembra Loco Abreu com um sorriso no rosto. Sob a batuta do novo treinador, o Glorioso se recuperou ainda na Taça Guanabara e emendou cinco vitórias consecutivas na fase de grupos. Terminou em segundo lugar no grupo, atrás apenas do Vasco, e se credenciou para disputar a semifinal contra o Flamengo: 2 a 1, os gols marcados por Marcelo Cordeiro e o talismã Caio.
Na final da Taça Guanabara, houve a possibilidade de revanche contra o Vasco. Foi aí que, diante de mais de 77 mil pessoas no Maracanã, o Botafogo venceu por 2 a 0, gols do zagueiro Fábio Ferreira e Loco Abreu, faturou o título do primeiro turno e provou da melhor forma que a goleada sofrida no início do campeonato era passado.
Campanha do Botafogo na Taça Guanabara 2010:
Fase de grupos
- Botafogo 3 x 2 Macaé
- Botafogo 2 x 0 Friburguense
- Botafogo 0 x 6 Vasco
- Botafogo 2 x 1 Tigres
- Botafogo 2 x 1 America
- Botafogo 4 x 1 Madureira
- Botafogo 5 x 2 Resende
Semifinal: Botafogo 2 x 1 Flamengo
Final: Botafogo 2 x 0 Vasco
Fábio Ferreira, do Botafogo, comemora gol marcado contra o Vasco na final da Taça Guanabara de 2010 — Foto: Agência O Globo
“A gente jogava feio pra c***”
O time do Botafogo encaixou sob as asas de Joel Santana. O torcedor alvinegro é capaz de escalar como se fosse ontem o time que tinha Renan no gol, Antônio Carlos e Fábio Ferrera na zaga, Alessandro na lateral direita, Leandro Guerreiro, Túlio Souza, Fahel, Somália e Renato Cajá se revezando no meio de campo. E, por fim, a dupla de ataque formada por Herrera e Loco Abreu.
Desse modo, o Botafogo conseguiu algumas goleadas no campeonato, como por exemplo sobre Madureira e Resende no primeiro turno; e sobre o Boavista no segundo. Ainda assim, El Loco aponta uma característica incomum daquele time:
“A gente jogava feio pra c****”, brincou em entrevista ao Troca de Passes.
– A gente não sabe como ganhou, só sabe que ganhou. Era chutão do zagueiro pra eu “cascar”, e aí o Herrera dava suas trombadas, brigava com todo mundo. A gente aproveitava muito as faltas. Encaixava muito a marcação, isso é verdade. Nossa marcação era chata mesmo, ninguém gostava de jogar contra a gente. Mas se você olhar o jogo do Botafogo, não tinha jogo – completou o uruguaio.
Loco Abreu relembra título do Botafogo em 2010: “Jogava feio”
Com a vaga na final do Carioca garantida graças ao título da Taça Guanabara, o Botafogo levou a Taça Rio aos trancos e barrancos. Venceu Americano e Duque de Caxias, e aí perdeu para o Fluminense. Passou pelo Olaria, mas empatou com o Flamengo – jogo em que Herrera e Adriano marcaram duas vezes cada. Só ali pelo fim de março/início de abril é que a esperança de vencer também o segundo turno passou a ser alimentada.
O Vasco teve sua parcela de contribuição: sofreu três derrotas e fez com que o Botafogo não precisasse se esforçar tanto para terminar em primeiro lugar no grupo. Na semifinal, o Fluminense deu um trabalho danado. O Bota abriu o placar com Loco Abreu, o Flu virou com dois de Fred, mas Fahel e Caio apareceram no segundo tempo e deram a vitória à trupe de Joel Santana no Maracanã.
O Flamengo seria o adversário na final.
Muito mais do que uma final de turno
Para entender o contexto da final daquela Taça Rio, é preciso voltar três anos no tempo. O Botafogo perdeu para o Flamengo na final dos três Cariocas anteriores, em 2007, 2008 e 2009.
Havia um sufocante sentimento de quase em General Severiano que ia além do fato de duas dessas derrotas (2007 e 2009) terem sido decretadas na disputa por pênalti. Em 2007, o Botafogo abriu dois gols de vantagem no primeiro jogo da final que terminou 2 a 2 e, no segundo, chegou a fazer 2 a 1 antes de Renato Augusto acertar um chute raro de fora da área; em 2008, primeiro jogo, o time teve inúmeras chances e até acertou a trave com Adriano Felício numa partida em que Obina, num contra-ataque no fim, selou o 1 a 0 – o mesmo Obina decretou a virada rubro-negra no duelo de volta depois que Lúcio Flávio abriu o placar numa falha de Bruno; e em 2009, o Botafogo só não venceu o primeiro jogo graças a um chute chorado de Willians desviado em Emerson.
Como se não bastasse, o Bota foi campeão do primeiro turno em 2009 e teve a chance de faturar o estadual antecipadamente na final da Taça Rio. Mas perdeu para o… Flamengo. No ano anterior, também foi derrotado pelo rival na decisão da Taça Guanabara com o tal gol de Diego Tardelli nos acréscimos e a fatídica reclamação de arbitragem na coletiva de imprensa que rende provocações de “chororô” até hoje.
O Flamengo estava engasgado na garganta do botafoguense. Loco Abreu conta que, quando chegou ao Rio de Janeiro, foi abordado por uma torcedora do Botafogo no aeroporto que disse que não aguentava mais perder para o Fla. “Eu respondi: fica tranquila que eu cheguei”, brinca ele, sempre com bom humor.
Diego Tardelli e Obina comemoram: Flamengo era a pedra no sapato do Botafogo — Foto: Arquivo / O Globo
Naquele dia, o Botafogo tinha a vantagem de não precisar vencer a Taça Rio. Só o que uma derrota causaria era a necessidade de mais dois jogos, esses válidos pela final do campeonato. Por isso, os comandados de Joel jogaram com um peso menor nas costas abriram o placar com Herrera, de pênalti, aos 23 do primeiro tempo. Vagner Love, depois de um bate-rebate na área, deixou tudo igual pouco antes do intervalo.
No segundo tempo, Maldonado derrubou Herrera na área, e o Botafogo ganhou mais um pênalti. Era a vez de Loco Abreu. No gol, estava Bruno, protagonista das conquistas recentes do Flamengo pelos quatro pênaltis defendidos e cotado para a seleção brasileira.
“Tudo que se falava era: se o Flamengo chegar na final contra o Botafogo, já era, é deles. Se vai para os pênaltis, f***, é deles. Se der empate, f***, é deles. Então falei: agora vai mudar. Se tivesse pênalti, tinha que ser de cavadinha, tinha que ser daquele jeito. Tinha que ser de cavadinha para mudar essa situação de que a gente sempre perdia pra eles nos pênaltis”, conta Loco Abreu.
– Do lado deles, a confiança era muito grande, então a gente tinha que fazer o contrário do que eles estavam pensando que podia acontecer. Foi o que aconteceu nessa situação do pênalti – completa.
Daí o que Loco Abreu fez foi história: numa cavadinha sutil, a bola beijou o travessão e entrou.
– Na hora, eu fiquei com a impressão de que a bola não ia entrar – contou o narrador Luis Roberto, que estava na transmissão da TV Globo, ao quadro “Vozes”. – A viagem dessa bola, que foi de um segundo e pouco, foi uma eternidade.
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“Vozes”: Luis Roberto relembra cavadinha de Loco Abreu
A trajetória cruel e interminável daquela bola quase causou um infarto em outros personagens. Como o próprio Joel Santana, que admitiu seis anos depois à “Fox Sports” que não fazia ideia de que o uruguaio ia bater desse jeito: “Ele me matou, me matou do coração, cara”. Ao GloboEsporte.com, o zagueiro Antônio Carlos, que aparece ajoelhado nas imagens, disse que sequer olhou.
– Eu estava ajoelhado, rezando. Em todos os pênaltis, eu não to nem perto da área, to quase lá no meio de campo. Eu nem olhei – afirma ele.
O Flamengo era o atual campeão nacional, é bom lembrar. No ano anterior, havia conquistado o Campeonato Brasileiro com uma temporada ímpar de Adriano Imperador, Petkovic e companhia. A maioria do elenco foi mantida para 2010, e o ataque ainda ganhou Vagner Love, que, ao lado de Adriano, formava “O Império do Amor”. Coube ao pé esquerdo do Imperador, aliás, a chance de empatar a decisão logo em seguida, também de pênalti. Mas como aquele ano era do Botafogo, não tinha jeito: Jefferson voou no canto e pegou.
– Aquele não era só um Carioca, era para romper aquela maldição de não poder ganhar do Flamengo na final. Graças a Deus foi aquele elenco que rompeu essa situação, conquistou esse título. Por isso, até hoje o torcedor e nós lembramos muito. Fica aquela sensação de alegria e gratidão por aquele título – finaliza Loco Abreu.
Campanha do Botafogo na Taça Rio 2010:
Fase de grupos
- Botafogo 3 x 1 Americano
- Botafogo 2 x 1 Duque de Caxias
- Botafogo 1 x 2 Fluminense
- Botafogo 2 x 0 Olaria
- Botafogo 2 x 2 Flamengo
- Botafogo 1 x 0 Volta Redonda
- Botafogo 2 x 2 Bangu
Semifinal: Botafogo 3 x 2 Fluminense
Final: Botafogo 2 x 1 Flamengo
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