Seis clubes da primeira divisão descumprem leis ao não publicar demonstrações financeiras de 2019. Quadro é pior na Série B
Apesar de o prazo legal ter terminado em 30 de abril, quinta-feira passada, seis clubes do Campeonato Brasileiro não publicaram suas demonstrações financeiras referentes a 2019. Os respectivos dirigentes ferem duas leis diferentes – Lei Pelé e Profut – e ameaçam as entidades a sofrer punições. Também se sujeitam a sanções pessoalmente.
Entre integrantes da primeira divisão nacional em 2019, os quatro rebaixados aparecem na lista dos que não apresentaram seus balanços.
- Atlético-MG
- Avaí
- Chapecoense
- Corinthians
- Cruzeiro
- CSA
Não por acaso. A preparação das demonstrações financeiras depende da organização interna, em termos de sistema e controle de suas finanças. Clubes desorganizados são expostos quando não cumprem o básico.
Na segunda divisão, o quadro é ainda pior. Dos 20 clubes que disputaram a Série B na temporada passada, metade não publicou balanços em sites oficiais, como manda a legislação brasileira.
- Bragantino
- Brasil de Pelotas
- Coritiba
- CRB
- Cuiabá
- Figueirense
- Londrina
- Operário-PR
- São Bento
- Vitória
No caso específico do Red Bull Bragantino, o balanço está pronto e foi enviado à Federação Paulista de Futebol (FPF) para a publicação em seu site. Até a publicação desta reportagem, a entidade não havia colocado o documento no ar. O site do clube está em reconstrução.
Atualização: Horas após a publicação desta reportagem, a federação paulista publicou em seu site os balanços do Botafogo-SP e do Oeste.
O que dizem as leis brasileiras
Sancionada em 1998, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, a legislação que rege o esporte brasileiro é a Lei Pelé – que leva este nome também por causa dos esforços do então ministro extraordinário do Esporte, Edson Arantes do Nascimento, para colocá-la em prática.
A lei obriga entidades de prática esportiva que empregam atletas profissionais, independentemente de serem associações civis sem fins lucrativos ou empresas, de publicar suas demonstrações financeiras em sítio eletrônico próprio até 30 de abril do ano seguinte.
Os balanços precisam seguir padrões e critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), além de ter sido verificados e avaliados por uma auditoria independente e externa.
– Caso não entregue neste prazo, a legislação sujeita os dirigentes destes clubes à inelegibilidade, por cinco anos, para cargos ou funções eletivas ou de livre nomeação em qualquer entidade ou empresa direta ou indiretamente vinculada às competições profissionais da respectiva modalidade desportiva – explica Carlos Aragaki, coordenador da Câmara dos Contadores no Ibracon (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil).
A não publicação das demonstrações financeiras ainda deixa os clubes em discordância com outra legislação. Em 2015, a maioria dos clubes de futebol dos escalões mais altos aderiu ao Profut, programa do governo federal para refinanciamento de dívidas fiscais.
Em troca de descontos em multas, juros e encargos, além de prazos prolongados em até 20 anos para pagar impostos que não recolheram por décadas, clubes tiveram reforçada a obrigação da publicação dos balanços em site oficial. Sob risco de novas penalidades, entre elas a exclusão do programa e a decorrente perda de todos os benefícios.
As desculpas dos dirigentes
Procurado pelo GloboEsporte.com, o Corinthians alegou por meio de sua assessoria que publicará o documento somente depois que for analisado pelo Conselho Fiscal e votado pelo Conselho Deliberativo.
A Chapecoense procurou espontaneamente o blog para se posicionar. O clube afirma que estava marcada para 15 de abril a apresentação das demonstrações para o Conselho Deliberativo, porém, por causa da quarentena da Covid-19, a reunião foi postergada. A publicação dos documentos no site oficial acontecerá somente após a reunião.
Razão semelhante foi usada pela diretoria do Avaí em nota recente. A agremiação declarou que a apreciação das contas pelo Conselho Deliberativo ocorre geralmente até 30 de abril, no entanto a pandemia do novo coronavírus impediu a reunião dos conselheiros. Eles preferiram não deliberar pela internet para não prejudicar o debate.
A legislação brasileira não exige, no entanto, que as demonstrações financeiras sejam apreciadas por quaisquer instâncias políticas antes da publicação. Dirigentes não precisam aguardar pela deliberação de conselheiros para dar transparência às contas.
No Corinthians, o pretexto para adiar a publicação do balanço inclui uma Medida Provisória recente. O ex-deputado Antonio Goulart, presidente do Conselho Deliberativo, afirmou em carta enviada aos conselheiros corintianos que a reunião para apreciar as contas de Andrés Sanchez seria adiada em função da pandemia. Segundo Goulart, a decisão está respaldada em MP editada pelo governo em março deste ano.
– Considerando ainda o disposto no art. 1º da Medida Provisória nº 931, de 30 de março de 2020, que autoriza sociedades anônimas a realizar suas assembleias gerais ordinárias no prazo de sete meses, a contar do término de seu exercício social, aplicável, por analogia, aos clubes esportivos, diante da anormalidade existente – escreveu Antonio Goulart, presidente do Conselho Deliberativo do Corinthians.
Andrés Sanchez, presidente do Corinthians — Foto: Marcos Ribolli
O Corinthians é uma associação civil sem fins lucrativos, portanto não está incluído na MP editada pelo governo para ampliar prazos de sociedades anônimas, companhias limitadas e cooperativas.
Como não foram beneficiados pela MP, os clubes fizeram em 20 de abril um pedido à Casa Civil para que tivessem o prazo estendido até 31 de julho. O documento contém a assinatura de Roberto Gavioli, presidente da Associação Brasileira dos Executivos de Finanças dos Clubes de Futebol (Abeff). Ele é gerente financeiro do Corinthians.
Os clubes ainda não receberam do governo uma resposta para o pedido, de acordo com fontes consultadas pelo blog. Mesmo assim, escolheram não cumprir a lei em relação à publicação do balanço.
Em Minas Gerais…
A diretoria do Cruzeiro afirma que ainda não conseguiu finalizar as demonstrações financeiras referentes a 2019. Houve uma transição política no término da temporada, após o rebaixamento. A diretoria de Wagner Pires de Sá e Itair Machado renunciou e deu lugar a um conselho gestor provisório, formado por empresários e conselheiros.
– Apenas em fevereiro deste ano o Cruzeiro teve as contas de 2018 aprovadas, assim mesmo com ressalvas, e vários documentos, incluindo o balanço, precisaram ser refeitos. Tudo isso gerou um retrabalho muito grande, sendo necessária também a revisão da maior parte do balanço de 2019. Além da grave crise pela qual o clube passou recentemente, há ainda o efeito pandemia do coronavírus, com férias e suspensão de contratos, o que reduziu o número de colaboradores. Uma força-tarefa está trabalhando no documento, para apresentá-lo ao Conselho Fiscal o mais breve possível – diz a diretoria provisória em nota enviada ao blog.
No Atlético-MG, a justificativa para a não publicação do balanço é a demora para tomar uma decisão sobre a contabilização da venda do shopping Diamond Mall, cujo dinheiro será usado para a construção de estádio. A venda do empreendimento foi efetivada somente em janeiro de 2020 e envolve o recebimento de cerca de R$ 290 milhões.
– Este número muda totalmente a estrutura do balanço. Por lei, tenho que fazer uma nota de evento subsequente explicando esse evento. Mas tínhamos uma carta de fiança que cumpria condicionantes. Devo colocar os efeitos da venda no balanço até 31 de dezembro? Esta nota é extremamente relevante, pois muda a estrutura patrimonial, ativo, passivo, resultado. A gente submeteu a dúvida ao auditor para saber como contabilizar, acabei envolvendo outros dois auditores de Big Four para saber o caminho correto a seguir – explica Paulo Braz, diretor financeiro alvinegro, por telefone ao GloboEsporte.com.
O executivo atleticano afirma estar comprometido com a publicação das demonstrações financeiras o mais rápido possível. Ele diz estar “apertando” os auditores para que os pareceres sejam entregues. A decisão sobre o caso caberá ao presidente Sérgio Sette Câmara.
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