Reino Unido vota pela saída da União Europeia em plebiscito
Os eleitores britânicos votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia, após 43 anos, em um plebiscito histórico nesta quinta-feira.
Em uma eleição apertada, 52% dos britânicos votaram a favor da saída, contra 48% que votaram a favor da permanência.
Os eleitores de Londres e da Escócia votaram em sua grande maioria pela permanência do país no bloco, mas os resultados do restante do país, com uma maioria clara pela saída, acabaram definindo o resultado.
Os mercados financeiros, que na véspera vinham mostrando uma aposta na permanência do Reino Unido na UE, sofreram um forte impacto com o resultado, com a queda da libra ao menor patamar em relação ao dólar desde 1985.
Disputa acirrada
Na semana anterior ao pleito, o país assistiu a uma disputa acirrada nas pesquisas e nos ânimos, incluindo o trágico assassinato da deputada trabalhista Jo Cox por um suspeito com fortes elementos de extrema direita e que se declarou favorável à saída britânica do Reino Unido.
O debate inesperadamente acrimonioso da campanha, carregado de ataques pessoais, apelos emocionais e argumentos exagerados, surpreendeu muitos mesmo nos círculos políticos.
Ao mesmo tempo, o resultado do plebiscito foi cercado de suspense até o último momento, já que pesquisas apontavam o país rachado ao meio entre ficar na UE ou sair do bloco.
Na cédula, os eleitores tinham de responder apenas uma pergunta: “Deve o Reino Unido permanecer como membro da União Europeia ou sair da União Europeia?”
As duas únicas respostas possíveis eram “permanecer” ou “sair”.
Tecnicamente, o plebiscito não é vinculante. Mas o primeiro-ministro, David Cameron, estará sobre intensa pressão para implementar a vontade da maioria.
O que estava em debate?
A União Europeia é uma união econômica e política de 28 países. Suas origens remontam à Comunidade Econômica Europeia (CEE), criada em 1957 por seis países que assinaram o Tratado de Roma.
O Reino Unido aderiu à CEE em 1973 e, dois anos depois, após renegociar suas condições, realizou um referendo sobre a sua permanência.
A integração foi aprovada por 67% dos eleitores. Numa época em que o Reino Unido sofria com o declínio industrial, inflação e distúrbios decorrentes de greves trabalhistas, o então premiê trabalhista Harold Wilson conseguiu vender o projeto europeu como benéfico para a economia do país.
Mas quando a área de Schengen, estabelecendo uma fronteira comum, foi criada, em 1985, o Reino Unido optou por manter-se à margem.
E apesar de integrar desde 1993 o mercado único e a livre circulação de bens e pessoas, o Reino Unido optou por não adotar o euro, mantendo sua própria moeda, a libra esterlina.
Há anos, o país mantém com a UE uma relação complexa, permeada por temas como centralização versus controle nacional.
O tema econômico também sempre foi central nessa relação. Um dos argumentos pela separação, aliás, é o de que a economia britânica de hoje é muito mais criativa e dinâmica que a dos anos 1970 e que estas duas características são prejudicadas pela burocracia de Bruxelas.
No início deste ano, o premiê David Cameron renegociou “condições especiais” para o Reino Unido dentro da união.
Entre outros privilégios, o país recebeu garantias de que não será discriminado por não integrar a zona do euro, obteve proteções para a City londrina – o mercado financeiro mais importante da Europa – frente a regulações financeiras do bloco, e ganhou o direito de limitar os benefícios que imigrantes europeus podem pedir no país.
David Cameron sustentava que as novas condições permitiriam ao Reino Unido ficar na União Europeia dentro dos seus próprios termos. Mas os críticos afirmavam que as condições ficaram aquém das expectativas, e que só a saída total da União Europeia permitirá aos britânicos ditar suas próprias regras.
O que dizem os dois lados
David Cameron concordou com a realização do plebiscito, mas sua posição era favorável à permanência do país no bloco comum. Por outro lado, ele permitiu que integrantes do seu gabinete adotassem sua própria posição política – cinco se declararam a favor da saída.
Os partidos Trabalhista, Liberal Democrata, Nacionalista Escocês (SNP), e o galês Plaid Cymru também defenderam a permanência na UE.
Entre os líderes estrangeiros, o presidente Barack Obama atraiu acusações de ingerência ao defender a permanência do Reino Unido na UE. França e Alemanha, assim como organizações multilaterais – como o Fundo Monetário Internacional (FMI) – também preferiam que os britânicos permanecessem no bloco.
Do outro lado, os defensores mais vocais da saída são os membros do partido nacionalista Ukip, em especial seu líder, Nigel Farage. Nas últimas eleições, o Ukip obteve 13% dos votos, embora sua representação no Parlamento seja ínfima devido ao sistema eleitoral britânico.
Cerca de metade dos parlamentares conservadores também se posicionou contra a UE, contrariando a vontade de David Cameron.
Alguns parlamentares trabalhistas também apoiam a saída, ecoando críticas de algumas vozes da esquerda descontentes com as políticas de austeridade e liberalismo econômico promovidas pelo bloco.
O candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, também já expressou a opinião de que o Reino Unido estará melhor fora da UE, e lamentou os efeitos da imigração na Europa.
Que consequências isso terá para o Reino Unido?
O mercado único, sem impostos nem tarifas comerciais, é o grande pilar da economia europeia. No coração dele está o movimento de bens, pessoas e capitais.
Embora seja possível integrar o mercado único e não a União Europeia, como é o caso da Noruega, isto dependeria de acordos a serem assinados se for confirmada a saída do bloco.
Os partidários da campanha pela saída dizem que tal entendimento poderia ser firmado até 2020. Eles alegam que a economia britânica é forte e dela dependem muitos países da UE, incluindo a França, que exporta boa parte de sua produção agrícola para o outro lado do Canal da Mancha.
Por outro lado, muitos creem que outros países da UE seriam praticamente obrigados a “punir” o Reino Unido para evitar que outros países da união sigam exemplo semelhante.
Há ainda grandes divergências sobre os efeitos econômicos da separação. Uma análise do Tesouro britânico afirma que os prejuízos seriam “permanentes” e levariam a uma redução do PIB de 6% até 2030.
O ministro da Economia, George Osborne, disse que a saída deixaria um rombo nas contas públicas de 30 bilhões de libras (quase R$ 150 bilhões), que teria de ser coberto com aumentos de impostos, cortes na saúde, educação e defesa, e anos de políticas de austeridade.
As projeções foram duramente criticadas por parlamentares do próprio partido Conservador, que acusaram o ministro de fazer uma campanha do medo com ameaças vazias.
Que consequências teria a Brexit para a União Europeia?
Embora seja consenso que o mais afetado pela separação seria o próprio Reino Unido, também deve haver consequências em outras partes da Europa.
A consultoria britânica Global Counsel disse que a UE se tornaria um parceiro comercial menos atraente em nível mundial e perderia poder globalmente.
Porém, a consultoria observou que estes fatores poderiam ser compensados com maior coesão dos países restantes, já que o Reino Unido é um dos membros do bloco que mais se opõem ao aprofundamento da integração.
Não se sabe quanto uma saída britânica acenderia movimentos populistas e nacionalistas que já existem nos países do bloco.
Além do quê, o processo de implementação da saída estaria repleto de incertezas, o que em geral prejudica as economias nacionais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento da Europa (OCDE) espera uma queda do Produto Interno Bruto regional se a saída do Reino Unido for aprovada.
Fonte: Terra