Ralf quebra silêncio, admite jogar por rival do Corinthians e diz que foi tratado como “qualquer um”
Talvez pela força do hábito, Ralf segue dizendo que foi “muito feliz aqui”, que “tem uma história aqui” e que “conquistou tudo o que tem através daqui”. Embora, para ele, o Corinthians não seja mais o “aqui”.
Afastado do elenco junto do meia Jadson em janeiro, num dos primeiros atos da era Tiago Nunes, o volante de 35 anos recebeu o GloboEsporte.com no prédio onde mora, em São Paulo, e falou pela primeira vez sobre o fim de sua segunda passagem pelo clube. Algo que ele ainda não digeriu.
– A gratidão não foi do jeito que eu esperava – admite o jogador, que rescindiu seu contrato há um mês e, por enquanto, ainda não tem novo clube.
Com oito títulos, dez gols marcados e 437 partidas disputadas, Ralf superou Marcelinho Carioca em número de jogos ainda no ano passado e hoje ocupa o posto de 14º jogador com mais partidas na história do clube. Números que não se apagam. Mas que, para Ralf, foram tratados sem o carinho merecido.
Ralf, ex-volante do Corinthians — Foto: Marcelo Braga
A ligação inesperada
Era noite de domingo, 5 de janeiro. Ralf recebeu uma ligação do gerente de futebol Vilson Menezes e ouviu que não precisaria se reapresentar das férias na segunda-feira. Por estar fora dos planos de Tiago Nunes, ele voltaria apenas dois dias depois para treinar separado.
– Desliguei e fiquei pensando. Chateado e pensando. Não me preparei, não me prepararam. Se me avisam antes, um mês antes…O treinador já estava há dois meses acertado com o clube e sabia com quem poderia contar. Podia me falar: “Você não está nos planos”. Beleza. Mas assim? “Amanhã você não vai se reapresentar”. Não me deram oportunidade de nada, ele não me conhece. Mas respeito o treinador, a opinião dele. Não quer contar com o Ralf? Beleza. Mas eu tenho uma história no clube, não é assim. A gente entende a filosofia de trabalho, mas não era para me tratar como se eu fosse qualquer um.
A diretoria do Corinthians se defende dizendo que, ainda em novembro, havia avisado aos empresários de Ralf que ele não estava nos planos do treinador. André Costa e Alisson Garcia, que representam o jogador, achavam que o volante poderia reverter a situação durante os treinos e não avisaram Ralf sobre a manifestação inicial da diretoria. O contrato era até 31 de dezembro e, para eles, seria cumprido.
– Ele foi comunicado (um dos agentes), mas a mim diretamente não foi passado isso, me pegou de surpresa. O que falaram era que o treinador tinha a filosofia dele e que o Ralf não estava nos planos. Mas não foi falado para mim diretamente. Uma coisa é falar para o meu agente, mas o profissional sou eu.
Contratado pela primeira vez em 2009, após se destacar no Barueri, Ralf fez 352 jogos até sair em 2016. Recontratado em 2018, disputou mais 85 partidas. Com tanto tempo de casa, esperava uma conversa mais franca e sincera do diretor de futebol Duílio Monteiro Alves e do presidente Andrés Sanchez.
–Eu esperava essa ligação no dia da reapresentação, de serem honestos comigo, falarem diretamente comigo, como homem. Hoje já não espero essa ligação – disse Ralf, que não pisou no CT em 2020.
Ralf, ex-volante do Corinthians — Foto: Marcelo Braga
E o futuro?
Com passagem pela China de 2016 a 2017, quando atuou pelo Beijing Guoan, Ralf teve sondagens do futebol do país antes da crise do coronavírus. Procurado por clubes de outros países, viu as principais janelas de transferência fecharem e, hoje, a chance maior é de jogar o Brasileirão por outra equipe.
Ele não descarta nem São Paulo, nem Palmeiras, nem Santos…
– Todo mundo sabe da minha gratidão pelo clube. O Corinthians é minha vida, mas hoje eu sou um profissional, estou aberto ao que aparecer, independentemente de ser rival ou não e do rótulo que tenho no Corinthians, só penso na minha carreira. Tenho tido consultas, estou aberto a tudo o que vier e não teria problema algum – garantiu o jogador campeão da Libertadores e do Mundial de 2012.
Na visão de Ralf, depois de tudo o que viveu, o torcedor do Corinthians perdoaria a sua ida a um rival.
– Pela forma como saí, hoje acho que entenderiam. Se fosse de outra forma, não entenderiam. Mas da forma como foi… Não que fui chutado, mas da forma como eu saí. O pessoal veria a parcela que eu contribuí, veria que sou um eterno grato ao Corinthians, mas entenderia o meu profissionalismo.
Ralf criou muita identificação com o torcedor do Corinthians — Foto: Marcos Ribolli
Veja mais trechos da entrevista com Ralf:
GloboEsporte.com: Tem chegado propostas para você?
– Tem do Brasil e tem de fora, a gente está estudando. Estou num momento em que, graças a Deus, não é o financeiro, a gente tem que estudar bem, até porque daqui dois ou três anos eu posso encerrar a carreira e preciso estar bem estruturado. Penso em mim, na minha família, em quem depende de mim.
Joga mais quantos anos?
– É difícil essa pergunta, é como falo sempre com meus amigos e família: eu não posso passar vergonha. A hora em que eu passar vergonha, tenho que pegar meu bonezinho e dizer: “Até logo, obrigado futebol”. Mas pelo meu porte físico e dedicação, acho que jogo mais dois ou três anos.
No seu processo de saída, você ficou chateado com os dirigentes?
– Chateado eu fiquei um pouco, de verdade, me pegou de surpresa. Eu não estava esperando um telefonema num domingo à noite para não me reapresentar com o grupo na segunda-feira. Não vou falar que fiquei magoado, mas fiquei uns dois ou três dias chateado, sem entender. Eu até entendo o clube, o treinador, a filosofia nova, mas eles não agiram como eu agi com eles.
Ralf, ex-volante do Corinthians — Foto: Marcos Ribolli
Faltou carinho com você?
– Carinho e gratidão. Tudo o que conquistei foi através do Corinthians, sou grato ao clube.
A diretoria disse que havia comunicado o seu agente em novembro. O grande problema foi ninguém falar diretamente com você?
– Sim, fiquei mais chateado por isso, não foi diretamente comigo. Eu tenho uma história aqui, eu tenho uma vida aqui. Não são dez dias, são dez anos. Serei grato para o resto da minha vida, mas não foi dirigido da forma certa como eu esperava. Podiam falar: “Ralf, você não segue nos planos, vai continuar treinando e na hora que surgir uma oportunidade, segue sua vida, obrigado”. Mas não foi desta forma.
Até o ano passado você dizia que ia se aposentar no Corinthians. Nunca imaginou que isso poderia não acontecer?
– Não, eu tinha mais esse ano de contrato. E eles estão me pagando*. O treinador que não deu oportunidade de me conhecer. Ele conhece através de vídeos, da minha história, mas pessoalmente não me conhece. Estava no meu plano de carreira encerrar no Corinthians. Não sei o que Deus vai preparar, mas acho que ainda hoje tem essa possibilidade de encerrar lá. Não sei se em um ano, dois anos…Sou grato e tenho fé em Deus ainda de que poderei encerrar a carreira no Corinthians.
*Nota da Redação: no acordo de rescisão, Ralf abriu mão de alguns valores, mas receberá todo o salário que teria direito até dezembro. O clube, porém, vai parcelar o valor em 24 meses.
No ano passado você se envolveu num acidente de trânsito antes de um clássico. Acha que isso pode ter pesado contra a sua imagem de alguma forma?
– Não, cara, faz parte, acontece, poderia ser com qualquer um, eu não estava dirigindo, estava no carro, a repercussão é diferente por ter sido com o Ralf do Corinthians. Estou tranquilo quanto a isso, já foi tudo resolvido, tudo esclarecido, os depoimentos, as pessoas afetadas foram ressarcidas, acontece. Já foi esclarecido, não preciso provar nada para ninguém, todo mundo sabe da minha índole, do meu caráter.
É a primeira vez que você fala sobre esse tema. O que aconteceu naquela noite?
– Foi uma sexta-feira antes de um clássico (contra o São Paulo), tinha jogo no domingo, levei o carro para lavar e estava com amigos. A gente estava no carro, teve uma tentativa de assalto, ele acabou desgovernando e teve o acidente. A repercussão foi porque era o Ralf do Corinthians, mas já foi tudo mundo ressarcido, o senhor, a casa, está tudo certo, não teve vítima fatal nem grave. Não foi por maldade, não foi por querer, está tudo esclarecido.
Ralf, volante do Corinthians, ao lado da família do idoso atropelado — Foto: Arquivo Pessoal
Qual a maior lembrança que fica da sua passagem pelo Corinthians?
– Os títulos. Não sei se vai conquistar novamente, se vai ser daqui 10, 20 ou 50 anos. Mas você conquistar uma Libertadores e um Mundial, pela dimensão que tem, foi diferente. Fui feliz e ganhei títulos que o torcedor queria muito.
Olhando para esse Corinthians do Tiago Nunes, você acha que se encaixaria neste time?
– Creio que sim, independentemente da filosofia de trabalho do treinador. Ele está colocando uma cara nova no Corinthians, o Corinthians não é desta forma. Os títulos que conquistei foram com outra maneira de jogar. Ele vem com uma filosofia nova, diferente, a gente respeita, mas o Corinthians não é assim. Entendo que não é da noite para o dia que ele vai mudar o Corinthians, tem que dar tempo ao tempo, só que o torcedor não espera. Quer raça, vontade e vitória. Vivem muito do momento. A filosofia pode ser boa, mas vai demorar um certo tempo. Não sei se é daqui um mês, dois meses, três meses, não sei.
Acha então que ainda volta um dia?
– Fé em Deus, a gente vai trabalhar para isso. Hoje estou analisando, estudando propostas, mas tenho a intenção de voltar um dia para encerrar a carreira. Sou grato aqui.
Se você ligar a TV na Globo e estiver passando um jogo do Corinthians, vai assistir ou mudar o canal?
– Sempre fico na torcida, assisto, analiso, tenho amigos lá, muitos companheiros e sempre vou torcer por eles. Quero que o clube esteja bem. Vejo, acompanho, e fico orgulhoso de ter feito parte daquele grupo.
Ge