O desabafo da médica intensivista Alice Chiodelli, de Blumenau, é um grito de socorro. A profissional, como todos os outros que estão no combate ao coronavírus em hospitais, está exausta. Plantões extras, mortes e intubações fazem parte da rotina deles há quase um ano.
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Agora, no que está sendo considerado o pior momento da pandemia, os óbitos de pessoas cada vez mais jovens e o surgimento de novas mutações abalam a esperança de quem precisa lidar com a Covid-19 de frente.
— Estou vendo que pessoas vão morrer sem atendimento. Eu não sei o que o poder público está vendo, mas não é o mesmo que nós, não é possível. É muita falta de empatia. Está todo mundo trabalhando como louco — diz.
Alice trabalha há cinco anos no Hospital Santa Isabel. O temor dela já acontece no Oeste, onde pacientes faleceram enquanto aguardavam um leito de UTI. Porém, não é preciso ir muito longe para entender a gravidade da situação. Em Blumenau, o Santa Isabel informou não haver espaço para criação de mais vagas para tratamento intensivo. O Hospital Santa Catarina avisou aos trabalhadores que opera “além da capacidade instalada” e há lista de espera por leito de UTI.
— A palavra é essa: exaustão. Viramos médicos de uma doença só. A situação é muito grave porque nunca se ouviu falar que uma mesma doença ocuparia metade de uma internação de hospital. A qualidade no atendimento vai cair. Estamos fazendo uma medicina baseada no que tem — revelou a infectologista Sabrina Sabino na live Santa 3 por 4 desta semana.
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Sabrina atua no Hospital Santa Catarina, mas o cenário que descreveu é semelhante ao relato de Alice. Ela conta que muitos colegas estão pedindo demissão diante do cansaço extremo. A falta de mão de obra humana, aliás, é mais desafiadora para o município que conseguir abrir espaços em salas ou adquirir equipamentos como respiradores. Além das desistências, não é qualquer profissional que tem capacitação para trabalhar em uma UTI.
— O trabalho está pesado. Ver gente morrer todo dia é muito ruim. Quando alguém avisa que vai sair não temos coragem de dizer: “não, fica, aguenta firme” — revela, emocionada, Alice.
Para tentar lidar com toda essa situação, depois de quase dez anos de profissão Alice procurou, pela primeira vez, a terapia. Também começou a fazer atividade física na tentativa de aliviar o estresse. No entanto, com a realidade cada vez mais caótica dentro do ambiente de trabalho, é quase impossível controlar o medo e o desespero.
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Pacientes mais jovens
Entre os pacientes que estão intubados há jovens adultos. Pessoas de 30, 40 anos, que antes eram raras dentro das UTIs Covid, hoje são comuns. Nesta nova fase da pandemia em Blumenau, chama a atenção da médica esse fato e também o tempo em que elas demandam ventilação mecânica, que está maior.
— Esse terceiro pico está trazendo surpresas ruins. Pacientes demoram a sair, demoram a ficar bem. E parece uma maldição, em um dia a pessoa apresenta uma melhora, no outro vem uma nova infecção ou uma hemorragia e acaba com a nossa esperança. E como você explica isso para a família, que só espera que a pessoa volte para casa? Está mais frustrante, parece que o vírus está mudando para pior. Remamos e não damos conta de vencer — ilustra Alice.
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Ainda não há certezas científicas sobre esse “fortalecimento” do vírus, mas Sabrina detalha que já se sabe que a nova variante, já detectada no Estado, é mais transmissível. Então se antes uma pessoa passava para outra, agora passa para dez. Quanto maior o número de infectados, maior o de internação. Com o relaxamento dos cuidados, o vírus circula sem qualquer dificuldade por toda Santa Catarina.
— No começo da pandemia as pessoas tinham medo, utilizavam máscara, cumpriam o distanciamento, o isolamento. Agora elas saem do atendimento e mesmo contaminadas vão para o mercado, padaria, farmácia… — constata Sabrina.
Ajuda de todos
Quando se escuta o relato das médicas, a impressão que fica é a de que os profissionais da linha de frente estão se sentindo abandonados pelo poder público e por boa parte da população. De um lado, medidas pouco efetivas para controlar o alto risco de contágio e doses da vacina que chegam a conta-gotas. De outro, os descumprimentos de regras básicas para prevenção: distanciamento, uso de máscara e higienização das mãos.

Raiva. Choro. Frustração. O maior desafio talvez nem seja profissional, mas mental. Cansa cuidar. Cansa mais ainda explicar e não ser ouvido. O coronavírus não escolhe ninguém. Com médicos sendo deslocados para tratar dos contaminados, todo o atendimento é prejudicado. A qualidade cai. E há a exaustão.
— É claro que o trabalho na UTI nunca foi fácil, ninguém vai parar lá porque está bem, mas antes a gente vivia a parte ruim e a boa da profissão. Agora a sensação é que só existe a ruim. Pesou, é horrível — relata Alice.
Questionada sobre como avalia a necessidade de medidas restritivas, Alice é taxativa:
— A única coisa que funciona é o distanciamento. O que nos resta é restringir a circulação.
Coronavírus em Blumenau e SC
O número de blumenauenses internados em UTIs com Covid-19 cresceu 44% neste mês de março, como mostrou o colunista Evandro de Assis. Na quinta-feira (11), eram 56 moradores da cidade em tratamento intensivo nos hospitais, contra 39 no dia 28 de fevereiro.
A média móvel de casos (considerando os últimos sete dias) de coronavírus em Blumenau estabilizou em torno de 250 por dia desde o fim de fevereiro. Já são 351 cidadãos blumenauenses mortos pela doença desde o início da pandemia, 44.410 casos confirmados e 1.833 ativos, de acordo com a prefeitura.
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