Opinião Jogo Aberto – 30 de Janeiro de 2020
A culpa é da vítima?
Qual é a relação entre pobreza e meio ambiente?
Em primeiro lugar, a sociedade brasileira sempre tratou o meio ambiente como se fosse um grande almoxarifado de recursos naturais renováveis e não renováveis do qual retira, livremente, água para dessedentação humana e animal, madeira para bioenergia e manufatura, fertilidade das terras para a produção de alimentos etc. Da mesma forma, nossa sociedade sempre considerou o meio ambiente como se fosse um megadepósito de lixo, aonde joga os resíduos da produção e do consumo, poluindo os nossos rios, o ar puro, o espaço urbano etc. Assim, o comportamento geral da sociedade, em termos de hábitos de consumo e de padrões de produção, está historicamente na base da degradação ambiental no Brasil.
Nessa concepção, observa-se que, de fato, a população mais pobre, sem poder de compra para transformar as suas necessidades em demanda nos mercados, apela para os recursos ambientais livres pelo seu valor de uso imediato.
Recorre aos ativos e serviços da natureza quando tem de produzir (desmatamento para cultivar, extrativismo rudimentar etc.) e quando tem de consumir (habitação nas encostas dos morros, vasculhamento das sobras do lixo orgânico e inorgânico etc.) Esse comportamento precisa ser entendido não como decisão sobre o uso racional dos recursos escassos da sociedade, mas como estratégia de sobrevivência minimalista de quem não tem portas de saída da miséria em que vive.
Mas essas estratégias não têm escala suficiente para explicar o intenso processo de degradação do meio ambiente no Brasil. É como atribuir essa degradação àqueles que são vítimas de um dramático processo de concentração de renda e de riqueza que vem se configurando desde o período escravocrata.
Para explicar por que tem sido tão profunda a degradação dos nossos ecossistemas e por que essa aceleração tem ocorrido desde os anos 70, precisamos de uma nova concepção do que é o meio ambiente. Uma concepção que destaca o meio ambiente como um envoltório que contém, provisiona e sustenta a economia, sendo determinante para explicar a produtividade total dos fatores de produção e para o bem-estar social sustentável da população.
Quanto mais se degrada o capital natural, menos estarão disponíveis os serviços ambientais, menores serão os indicadores de produtividade das atividades econômicas e do poder de compra da população e maiores serão os níveis de pobreza local.
Nosso meio ambiente tem sido intensamente degradado desde o período colonial quando, em cada um dos ciclos econômicos de exploração em grande escala da base de recursos naturais, praticaram-se tecnologias predatórias ou não sustentáveis na produção agropecuária, no extrativismo mineral e vegetal etc. Assim foi com o ciclo do pau-brasil, com a extração de 70 milhões de espécimes, como também com os ciclos da cana-de-açúcar, do café, da pecuária extensiva, da mineração colonial e pós-colonial.
Infelizmente, esses processos de degradação vêm se reproduzindo intensamente na Amazônia.
Onde não foi possível recuperar e reabilitar os ecossistemas pela ação do tempo ou pela ação do homem, ficaram os rastros da pobreza e da miséria social para os seus habitantes.
Por Marco Aurélio