Opinião Jogo Aberto – 28 de Novembro de 2018
O liberalismo muda de cara: os falcões expulsam os tucanos.
Um mês após a eleição de Bolsonaro, fiel às promessas de campanha, seu governo será a fusão do liberalismo econômico com o conservadorismo nos costumes, cunhado por Vladimir Safatle, na “Folha de S.Paulo” de 4.11, de “liberalismo com rosto inumano”.
O liberalismo econômico não é novidade no passado recente. Os governos FHC e a primeira gestão Lula optaram pelos princípios liberais na gestão macroeconômica, que podem ser resumidos no chamado “tripé macroeconômico”, ancorado: 1) na responsabilidade fiscal, com geração de superávit primário suficiente para conter a expansão da dívida pública; 2) no controle da inflação, com autonomia ao Banco Central para usar a política monetária para perseguir a meta de inflação; 3) e, por fim, na flutuação da taxa de câmbio. Essa política macroeconômica, na administração tucana, foi acompanhada de programas de privatizações e concessões e abertura comercial.
Ainda nesses governos, complementaram a ação governamental políticas públicas voltadas para a inclusão social, por meio de programas de transferência de renda, tais como seguro-desemprego, Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), previdência rural e o mais extenso deles, cujas iniciativas parciais de seu antecessor foram consolidadas e ampliadas por Lula no Bolsa Família.
Ademais, estimularam ações afirmativas em defesa dos direitos humanos e da diversidade. Essa concepção de política pública poderia ser denominada de “liberalismo social”, ou seja, uma visão contemporânea da social-democracia, que foi chamada de “terceira via” nas gestões de Tony Blair, na Inglaterra, e Bill Clinton e Obama, nos Estados Unidos, ou seja, um novo liberalismo com face humana.
O diagnóstico da situação fiscal atual e a identificação das reformas necessárias para seu ajuste, apresentados por Paulo Guedes, não diferem do que pensam os economistas tucanos. Mas seu liberalismo, ao contrário, foca a hipertrofia do Estado. A diferença está, pois, no papel do Estado. A equipe econômica de Bolsonaro entende que, feito o ajuste fiscal, o mercado recuperará o crescimento da economia e fará a melhor alocação dos recursos, sem a participação do governo. Nessa visão, a desigualdade social resulta de escolhas erradas dos indivíduos. Esta é uma diferença fundamental de concepção e, em consequência, de combinação de políticas públicas entre o liberalismo social e o liberalismo conservador que comandará o Brasil a partir de janeiro.
Novidade ainda maior é o conservadorismo de costumes, confirmado nas escolhas dos ministros que ocuparão as pastas da Educação e das Relações Exteriores. Os fundamentos religiosos, a afirmação do papel da família e da escola na formação dos filhos, o nacionalismo e o papel da autoridade superior, aliados ao combate radical ao marxismo e ao PT, identificados como a fonte de todos os males, constituem os alicerces do conservadorismo, até então ausente das políticas públicas no Brasil.
Chegaram os falcões conservadores e expulsaram os tucanos social-liberais.
No segundo turno, Bolsonaro obteve 55% dos votos válidos, o que representou 50% do total de eleitores inscritos para votar. Portanto, metade dos eleitores não optou pelo conservadorismo. A vitória é legítima, sem dúvida, mas a governabilidade estará sujeita à eficácia das políticas sociais, até agora ignoradas, e o sucesso da política macroeconômica dependerá não apenas dos acertos que serão feitos pela equipe de Paulo Guedes, mas também de como o governo vai se relacionar com uma sociedade dividida.
Por Marco Aurélio