Opinião Jogo Aberto – 02 de Agosto de 2019
Com uma densa e extensa ficha de antecedentes criminais, Walter Delgatti, o hacker dos poderosos, deu uma confissão à Polícia Federal que pouco convenceu. Pode-se prever que as incongruências da fantástica história contada são destinadas a futuras retificações. Deixou entre as linhas espaços que requerem páginas inteiras. Ele já foi acusado de estupro de menor, o qual filmou, além de ter lançado uma jovem pela porta do carro em movimento, consumou desvios de valores através do roubo de código de contas bancárias, comprou inúmeros aparelhos eletrônicos e relógios Rolex com cartões de outras pessoas, praticou estelionatos em cadeia e trapaças cibernéticas que lhe permitiram comprar Land Rover e BMW, viajar pelo mundo e investir no mercado internacional.
Ele se define como “investidor”, entretanto não sabe explicar a origem dos vultosos recursos investidos, como de resto não se encontra uma coerência na sequência de confissões que prestou à PF. Afirma que teria hackeado o Telegram do governador Pezão, de onde tirou informações que levaram à conta de Dilma Rousseff; dessa, viajou até a ex-candidata a vice-presidente de Haddad nas eleições de 2018, Manuela D’Ávila. Teria tido acesso ao celular usado por Lula. Mas a “musa” das últimas eleições, sem conhecê-lo, o colocou em contato com o jornalista americano Glenn Greenwald – aliás, parece que Greenwald até ligou para ele por recomendação de Manuela, em consideração a trechos gravados da conta do procurador Deltan Dallagnol com Sergio Moro.
A princípio, Sherlock Holmes se questionaria: era necessário concatenar os nomes de tantas figuras ilustres como presidente da República, candidata a vice-presidente e governador para chegar a um jornalista que tem endereço no Rio de Janeiro onde mantém relação conjugal desde 2005 com David Miranda, com o qual caridosamente adotou dois filhos?
Segunda situação intrigante para Holmes: o Telegram, sistema de mensagem posto em circulação na Rússia, por dois russos financiados por um fundo de Dubai, parecido ao WhatsApp, é o vilão que permitiu interceptar mensagens que se deram entre 2015 e 2017. Nota-se que o Telegram é usado por políticos e poderosos que não querem sofrer invasões e adotam a autodestruição automática das mensagens, após poucos segundos do envio. A promessa russa é que qualquer vestígio e recuperabilidade dos diálogos se torna impossível. Se assim fosse, como o hacker teria milhares de mensagens de Sergio Moro e de outras figuras? Nisso, o Telegram se exime de responsabilidade, afirmando que o backup automático teria armazenado tudo na nuvem, e assim um singelo aparelho habilitado pelo hacker poderia resgatar arquivos.
Mas, se na realidade as mensagens foram autodestruídas, pois é uma configuração comum entre os usuários do Telegram, como milhares delas estão à disposição de Greenwald? Certamente, tudo é possível nesse mundo, mas a verdade é que muitas das versões dos envolvidos parecem altamente improváveis. Aliás, o hacker preso apresenta apenas interceptações do Telegram e, aparentemente, nada de WhatsApp.
Sem possuir conhecimento técnico, o leigo começa a suspeitar desse Telegram, vendido como o mais blindado dos sistemas, mas que se revelou redundantemente furado.
As mensagens disponibilizadas à imprensa são da fase processual, de alguns anos, possivelmente de 2016. Teriam elas sido interceptadas naquela época ou resgatadas recentemente? Desde quando Walter Delgatti dispõe dessas interceptações? Ele tinha tempo de realizar esse trabalho aparentemente monumental e complexo enquanto sua principal atividade era dar golpes cibernéticos acessando contas bancárias e cartões de crédito? As mensagens foram editadas ou correspondem à realidade? Provas que não tenham origem lícitas, como são interceptações clandestinas não periciadas, podem valer?
Chama atenção também o movimento nacional para soltar reclusos em decorrência da Lava Jato no mês de junho concomitantemente com as revelações dos diálogos de Moro e Dallagnol. O movimento não era de direita ou de esquerda, mas amplo e suprapartidário para enterrar a operação. Para isso, desacreditar seus autores era a atitude mais direta.
A situação amplia sua complexidade a cada lance e incomoda todas as vertentes. Os tiros de um lado e de outro não têm alvo definido. Essa guerra pode acabar sem vencedores.
Por Marco Aurélio