No Dia do Riso, veja comediantes de SC que fazem sucesso com o humor regional
Quem gosta de apostar nos resultados das principais premiações cinematográficas do mundo (que, aliás, estariam em plena temporada nestes primeiros meses do ano, não fosse a pandemia de coronavírus) já sabe que o Globo de Ouro é um excelente termômetro para o Oscar: geralmente, filmes e artistas que levam prêmios em um acabam saindo do outro também com troféus nas mãos.
Mas existe uma assimetria aí: o Globo de Ouro divide suas categorias de Melhor Ator e Atriz em duas – uma para filmes de Drama, outra para filmes de Comédia ou Musical. O Oscar não: entrega um só troféu para as atrizes, e outro para os atores, independente de estilo cinematográfico. E, com pouquíssimas exceções, o vencedor do Globo de Ouro de Drama leva também o Oscar, em detrimento do premiado na categoria de Comédia ou Musical.
Entre 2010 e 2020, sete das atrizes que levaram o Oscar levaram também o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama, e apenas uma das laureadas pelo Oscar venceu na categoria de Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical do Globo de Ouro. Entre os homens, nada menos que nove entre os dez vencedores da categoria Melhor Ator no Oscar ao longo da última década foi eleito também Melhor Ator em Filme de Drama; com apenas um deles tendo vencido a categoria Melhor Ator em Filme de Comédia ou Musical.
– Eu acho que o humor precisa chegar ao público de uma maneira que faça as pessoas se sentirem muito próximas de quem faz a piada. Talvez por isso o humor passe a impressão de ser muito fácil – opina o humorista Irineu Nicoletti sobre a aparente desvalorização, no cinema convencional, do trabalho de quem faz rir. – As pessoas ficam “ah, meu tio faz isso aí no churrasco da família.” E o irônico é que o difícil é fazer parecer fácil. (risos) Mas acho que isso é uma evolução. O stand-up, por exemplo, é muito novo no Brasil. É preciso um trabalho, um tempo, para educar a plateia e criar uma maior valorização do trabalho do humorista.
Nas redes sociais, seja em aplicativos como Twitter e Instagram ou serviços como o YouTube, porém, o humor parece encontrar sua glória – especialmente ao longo de 2020, com o crescimento de diversos perfis e canais dedicados ao riso.
– As pessoas se sentem seguras quando riem. Eu acho que rir é um sinal de saúde, de bem-estar – comenta Moriel Adriano da Costa, conhecido tanto como músico da banda Dazaranha quanto pelo personagem manezinho Darci. – Se morar no Brasil em tempos “normais” já é tenso, imagine em um ano de pandemia e crise política? O humor acaba sendo uma opção para amenizar um pouco tudo o que a gente vê e ouve em um país desorganizado como o nosso.
– Acho que essa pandemia veio provar o quanto o humor é importante. Não só o humor, mas a arte, de modo geral – completa Irineu, que, além de apresentar shows de stand-up, mantém no YouTube o canal Bem Mash Baita. – O humor ajuda a aliviar a tensão de estar trancado em casa, de estar preocupado com várias coisas. Eu recebi muitas mensagens de gente falando coisas tipo “teus vídeos estão salvando minha quarentena”. A gente recebe muita notícia ruim, né? E acho que a arte ajuda a parar um pouco de consumir só conteúdo negativo. No stand-up mesmo eu percebo que às vezes a pessoa chega meio pra baixo, porque aconteceu algo ruim, e sai do show outra pessoa.
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O humor, as risadas, a leveza de piadas e brincadeiras são homenageados no dia 18 de janeiro, considerado o Dia Internacional do Riso.
– O humor é de uma importância fundamental. É terapêutico, é um lugar de cura – destaca o artista Rizzih, que viralizou após criar a personagem Déte Pexera. – A comédia é rir tanto das trivialidades quanto mesmo das tragédias. A vida é tragicômica. Acho que extrair riso das dificuldades nos faz mais fortes, mais prontos para lidar com nossas fraquezas e nossa limitação humana.
Crítica e consciência social
Historicamente, o humor tem outra função importante: o de crítica social, apontando erros e disparates, fazendo sátira de agentes políticos e tecendo comentários que, de outra forma, as pessoas poderiam jamais ter coragem de expressar.
– Acredito muito em uma comédia leve, mas também questionadora – comenta Rizzih. – O artista, o comunicador de modo geral, tem que ter esse compromisso da arte e da comunicação como ferramenta crítica. Quando trabalhamos com o público, nós automaticamente nos tornamos formadores de opinião. Através do riso conseguimos incentivar o questionamento.
– Esse eu considero o humor mais nobre: aquele que pega um problema e traduz o desejo das pessoas de falar algo de uma determinada forma – afirma Moriel. – Acho que é a utilização mais transformadora do humor: é como se amolecesse as defesas das pessoas por meio da piada e alterasse a consciência delas por meio do riso. No Brasil nós temos grandes mestres nessa área. É uma mega ferramenta de conscientização política e social.
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Acompanhando transformações que ocorrem na sociedade como um todo, alguns conceitos precisaram ser revistos, nos últimos anos, dentro da área do humor: coisas que antes eram vistas como “brincadeiras” hoje já são percebidas como racismo, homofobia, machismo – o que tem provocado debates a respeito dos limites que se deve ou não impor à comédia.
– A função do humor é juntar todo mundo na mesma risada: contar uma piada de forma que todos riam coletivamente – opina Moriel. – Quando você estigmatiza e classifica um homossexual, um obeso, você faz o inverso do espírito da coisa do humor: você perde aquele público, você distancia as pessoas. O humor não pode cair nessa. Tem que ser o contrário: desfazer as fronteiras e fazer as pessoas se sentirem bem.
– Acho que isso faz parte da evolução da comédia: a sociedade evolui a cada ano, e a comédia acompanha – resume Irineu. – Assim como existem comentários que hoje você não faria mais no seu dia a dia, por que seria diferente com as piadas?
Rizzih é mais enfático:
– Eu não tenho paciência para comediantes que dizem que o humor não pode ter limites – declara. – É muito fácil você classificar a dor do outro como “mimimi”, sendo que você não sente aquela dor. Enquanto homem gay, eu consigo fazer piadas a respeito da minha sexualidade de uma maneira saudável, por exemplo, em que eu posso fazer um humor de identificação, em que esse público se identifica comigo. Eu não preciso depreciar para fazer rir. Existe uma linha tênue entre rir das condições humanas e depreciar as condições humanas, de uma maneira pejorativa. Acho que não se atentar a isso é uma desculpa preguiçosa de quem não está disposto a evoluir.
Humor de catarinense para catarinense
Em suas formas de fazer humor, Moriel, Irineu e Rizzih têm uma característica em comum: o regionalismo. Brincando com os sotaques, as gírias e o estilo de vida dos catarinenses, os três criam conteúdos que muitas vezes podem parecer sem sentido – ou mesmo incompreensíveis – para quem não é morador do Estado.
– Eu acho que em quem é de fora gera até uma curiosidade de querer entender o que eu estou falando – Irineu reflete. – Tem muita gente de Santa Catarina morando fora, e eu vejo que muita gente daqui marca os amigos das outras cidades, tipo “olha, é assim que a gente fala lá.”
Rizzih também conta que parte do seu público é formado por catarinenses que estão fora do Estado, e que, nos vídeos da personagem Déte Pexera, matam um pouco a saudade de casa e dos entes queridos – o que tem muito a ver com a forma como a personagem foi criada.
– A Déte nasceu quando, morando em São Paulo, em um momento de saudade de casa, eu criei um texto na minha cabeça; e no dia seguinte improvisei: peguei uma peruca, um óculos, e gravei o vídeo com o celular apoiado em um bebedouro, de maneira super despretensiosa – ele narra. – Quando o vídeo viralizou eu sentei e criei tudo sobre a personagem: onde ela mora, quantos anos ela tem, quem é a família… A Déte deu certo porque ela existe: em todas as esquinas do litoral catarinense você encontra uma Déte.
– Eu recebo muita coisa daqui pelo WhatsApp, pelo telefone – relata Moriel, contando de onde tira ideias para suas apresentações e vídeos. – Gosto dessas pérolas, essas coisas que são pequenininhas, mas que dizem muito. O Dazaranha também me ajudou: em trinta anos na estrada com uma banda você reúne muitas tiradas. Acho que metade do Darci vem do Dazaranha, senão mais.
– Eu também consigo adaptar piadas de outras cidades, outros países, para o Darci; é só substituir os elementos por coisas da cidade – ele completa. – Quando está só a “manezada” na apresentação, eu até acelero a fala, foco mais nas piadas ultrarregionais. Se estou me apresentando para uma plateia onde sei que tem gente de outras cidades, eu desacelero, uso piadas mais nacionais.
Às vésperas do Dia Internacional do Riso, Irineu Nicoletti também faz questão de destacar o crescimento da cena do humor em Santa Catarina. Ele descobriu a paixão pelo stand-up em 2015, ao participar de um concurso em que precisou encarar o palco pela primeira vez. Ao começar a estudar o stand-up especificamente, procurou comedy clubs por Santa Catarina, mas acabou precisando ir a Curitiba (PR) para se apresentar em concursos de open mic, ponto de partida tradicional para iniciantes.
– A cena cresceu bastante de lá para cá – conta. – Em Floripa, por exemplo, agora existe o Floripa Comedy Club, que está ajudando muito na cena; e é algo que eu não tive quando comecei. É no comedy club que nascem os novos comediantes; como se fosse uma universidade de humoristas. Então isso é muito importante para o Estado. Daqui a cinco anos podemos ter, nos palcos ou nas redes sociais, comediantes novos que começaram nesses clubes.