Nenhum banco tem interesse em deixar empresas quebrarem, diz presidente do Bradesco
No cenário de crise sem precedentes desenhado pela pandemia de coronavírus, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, afirmou que as instituições financeiras nacionais estão preparadas para evitar uma “quebradeira” de negócios no Brasil. Depois de o setor ter sido criticado pela lentidão na liberação de recursos, o executivo disse que os bancos já começaram a fazer empréstimos mais rapidamente.
“Nenhum banco tem interesse de que uma empresa quebre. Este é o pior cenário. Os bancos são os mais interessados em organizar a vida das pessoas”, disse Lazari, nesta quarta-feira, 15, ao participar da série de entrevista Economia em Quarentena, do Estadão. O presidente do Bradesco afirmou que, além de repassar dinheiro oficial a pequenas e médias empresas, o sistema financeiro está pronto para auxiliar também segmentos muito afetados pela crise, como as empresas de energia e as companhias aéreas.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Há uma grande crítica aos bancos sobre o represamento de liberação de crédito, sobretudo para as pequenas e médias empresas. Muitos empreendedores dizem que esse dinheiro não chega na ponta. Isso procede?
Não é verdade. De março para cá, os compulsórios liberados pelo Banco Central para o Bradesco somaram R$ 23 bilhões. Neste período, o Bradesco fez mais de R$ 34 bilhões de operações, muito mais que o Banco Central liberou de recursos. Os recursos sim estão chegando na ponta. O que aconteceu, logo no início da crise, foi uma busca desenfreada por liquidez. Comparo isso ao movimento das pessoas que logo no início da crise entraram nos supermercados querendo comprar 100 litros de álcool gel sem necessidade. O Bradesco tinha uma média de demanda de R$ 2 bilhões no banco de atacado e, em alguns dias, chegamos a R$ 20 bilhões. Naquele momento, entendemos que não deveríamos liberar toda a liquidez para as grandes empresas porque nós temos de atender os pequenos e médios empresários, que precisam pagar folha e fornecedores.
Neste momento, o sr. acha que os bancos têm de aplicar as mesmas regras que tinham para fazer os financiamentos de antes ou ser mais complacentes para deixar as empresas sobreviverem, pelo menos no curto prazo?
Quando conversamos com o Banco Central e o BNDES, identificou-se que tínhamos de atingir as empresas que faturam mais de R$ 360 mil a R$ 10 milhões por ano. No Bradesco, temos mais de 54 mil empresas que fazem folha de pagamento e estão enquadradas nesta faixa. Empregam 1,4 milhão de assalariados. Cerca de 92% das folhas de pagamento que o Bradesco paga tiveram crédito pré-aprovado. Das 54 mil empresas, de 6 mil a 7 mil já tomaram esse crédito e outras estão em conversas.
Como que fica o pacote de ajuda para as empresas de capital intensivo, como aéreas e energia elétrica? Os bancos privados estão coordenando junto com o BNDES uma ação para ajudar empresas por setores?
A primeira atitude tomada pelos bancos foi atingir um espectro maior de empresas. Todavia, temos situações pontuais de empresas, como companhias aéreas, energia, siderurgia e montadoras. Em conversa com o governo, já montamos grupos de trabalho com o BNDES, Economia e Banco Central. Para elétricas, por exemplo, a situação está bem encaminhada e devemos ter uma solução completa para este setor nesta semana ou na próxima. No setor automobilístico, a situação está bem encaminhada. Estamos estudando linhas específicas para outros setores do varejo, como eletroeletrônicos. Vamos atuar conjuntamente com o poder público e setor privado, dividindo riscos e carências, mas o financiamento não terá uma condição tão privilegiada como a concedida a empresas de menor porte.
O FMI prevê queda de 5,3% para o PIB brasileiro. Se isso se confirmar, a gente volta ao mesmo patamar da economia de 2010. Como o sr. vê esta situação?
Acho que é prematuro fazer uma previsão como esta. Nossos economistas falaram de uma queda de 1%. Acho que pode ser de 3% a 4%. A economia brasileira é muito pulverizada. O empresário brasileiro, em média, é pouco alavancado, se comparado com a média mundial. Quando tudo isso passar, acho que a economia brasileira tem uma capacidade de recuperação melhor do que a de outras. É fato que todos vão sofrer, mas ainda não sabemos o tamanho dessa dor. Estamos convictos e vamos fazer o necessário para ajudar as empresas brasileiras. Uma coisa tem de ficar clara. Temos ouvido muito ativismo de que não se deve pagar mais nada. Quando uma pessoa deixa de pagar, outra necessariamente deixa de receber. As pessoas que têm um pouco mais de reserva têm de pagar sim suas dívidas para que economia possa continuar girando, mesmo que de forma mais lenta. Quem não puder pagar, deve buscar uma renegociação.
Se houvesse uma voz unida sobre o combate à crise do coronavírus, em vez da situação de disputa entre governo federal e Estados, esse estímulo a calotes teria menos força?
Entendo que essa crise é de saúde, nada tem a ver com a economia. É uma crise de sobrevivência. Dito isso, eu acredito muito nos cientistas e pesquisadores que estudaram muito para poder combater um inimigo como este. Nós temos de achatar esta curva (de contaminação pelo coronavírus) para que não haja um colapso da saúde brasileira. E por outro aspecto a gente entende a necessidade de as pessoas estarem empregadas, da economia andar. Mas o remédio tem de adotar em São Paulo é diferente do que tem de ser adotado em Caculé, lá na Bahia, que não tem caso de coronavírus. Temos de ter essa sabedoria. Entendo o conflito, mas agora é hora de serenidade.
Há uma parte do governo que defende uma mão mais pesada do Estado para retomar a economia depois desta crise, indo contra a teoria liberal da equipe econômica. Como o sr. avalia esta questão?
Em 2019 tivemos um crescimento muito baixo, mas nos dois primeiros meses deste ano a economia estava tendo uma recuperação importante. Havia previsão de crescimento de PIB de 2% ou mais. Fomos pegos de surpresa por essa crise. O nosso Estado tem uma limitação do que ele pode fazer. Com a reforma da Previdência, a economia estimada era de R$ 800 bilhões em dez anos. Agora, o gasto fiscal por conta do covid-19, já bateu perto desses R$ 800 milhões. Então, todo esforço da Previdência está sendo gasto com o covid. Entendo que à medida que essa crise passar, alguns setores vão se recuperar mais rápido. Nós não queremos crescer a taxas chinesas. Não temos infraestrutura que suporte um crescimento deste tamanho. Mas crescer de 3% a 4% por um longo período é possível, e era o que estava se desenhando no início do ano.
Teremos um espectro maior de empresas falindo ou entrando em recuperação judicial depois da crise?
Ainda é muito cedo para dizer. Não está acontecendo ainda. Por enquanto estamos falando de 30 a 40 dias de uma crise mais severa, então ainda não se observa esse comportamento. Nenhum banco tem interesse de que uma empresa quebre. Este é o pior cenário. Os bancos são os mais interessados em organizar a vida das pessoas. Antes da crise, mais de 90% das operações do Bradesco já estavam sendo feitas remotamente pelo celular. Vamos sair mais virtual desta crise? Não tenho dúvidas disso. Chegava a 94% – e o só não fazemos mais porque, em alguns casos, ainda é necessária autenticação. E tem outras lições. No ano passado, começamos a fazer uma experiência de home office bem tímida, com poucos trabalhadores. Hoje, com a crise, 92% das pessoas do banco, excluindo agência, estão trabalhando de casa. Hoje, nossas agências são parte dos serviços considerados essenciais. Diferentemente de 2008, quando os bancos foram considerados causadores da crise, hoje somos parte da solução da crise.
Bradesco, Itaú e Santander fizeram uma ação conjunta para doação para área da saúde. O Itaú divulgou a doação de mais R$ 1 bilhão, por meio de sua fundação.
Logo que começou essa situação, ligamos para o Ministério da Saúde para saber como ajudar. Eles disseram que o mais importante era nossa rede de contatos, e não os recursos. Os três maiores bancos se uniram e, com a ajuda logística da Vale, compramos 5 milhões de testes para doação. Com a Siemens, compramos mais 30 tomógrafos, além de respiradores e máscaras.
Fonte:Estadão