Não se retoma a alegria no futebol por decreto. Não há clima
Talvez a gente não tenha se dado conta disso, mas nem eu nem você tínhamos ficado tanto tempo sem esporte na vida quanto durante a atual pandemia.
Na verdade, só quem pode dizer que ficou mais de três meses sem a opção de acompanhar uma competição esportiva são as pessoas que nasceram antes da Segunda Guerra, que acabou já faz 75 anos.
É por isso que cada lance desse retorno atrai tanto nossa atenção. Um desses episódios foi a triste quinta-feira (18 de junho) da reabertura do estadual do Rio de Janeiro, quando o Flamengo derrotou o Bangu por 3 a 0 jogando para um Maracanã vazio.
Gandula passa álcool em gel na bola em Bangu x Flamengo — Foto: André Durão
Do lado de fora do estádio, onde se montou um hospital de campanha para receber infectados pela covid-19, duas pessoas tinham morrido horas antes do jogo.
Essa partida tem uma carga simbólica muito grande, mas não precisamos falar de um só jogo, de uma só competição. O futebol brasileiro tem discutido seu retorno mesmo que o país viva hoje um dos piores cenários da pandemia no mundo. Futebol é – ou deveria ser – sinônimo de alegria.
Como é que vamos comemorar gols, vitórias e títulos se a doença que paralisou os campeonatos três meses atrás tem matado mais de mil pessoas por dia? Que campeonato é esse? Que vitória é essa? Que gol é esse?
Neste momento, talvez mais importantes que os resultados de partidas e competições sejam as mensagens que clubes, atletas, dirigentes e torcedores tentam passar em meio a tantas coisas negativas.
O lateral esquerdo Marcelo, por exemplo, falou muito sem precisar abrir a boca: ao marcar seu gol na vitória do Real Madrid sobre o Eibar por 3 a 1, no último dia 14, Marcelo pôs um joelho no gramado, fechou o punho e, solitário e sério, mostrou estar ciente que os tempos são outros. O esporte não pode ficar indiferente aos grandes temas da sociedade.
Marcelo “comemora” o gol contra o Eibar — Foto: Reuters
É claro que todos queremos vibrar com belos gols, grandes jogadas, campeonatos emocionantes do começo ao fim. Mas não se retoma a alegria por decreto. Não há clima. A prioridade é, hoje, cuidar dos doentes e evitar que mais pessoas adoeçam.
A Espanha retomou sua principal liga só depois que o país reduziu o ritmo de registro de novas infecções, o que só foi possível graças a fortes medidas de isolamento social – o que, no Brasil, não chegou a ser adotado de maneira efetiva.
O momento é de respeito pelas vítimas e de sermos solidários com quem perdeu parentes e amigos para o coronavírus. O gesto de Marcelo – que ocorreu também no contexto dos protestos contra o racismo em todo o mundo – pode não ter sido a comemoração com que estamos acostumados. Mas esse tipo de postura pode, talvez, estimular a empatia em nosso dia a dia, servir de alento a quem está sofrendo nesta pandemia – e quem sabe, nos ajudar a voltar a vibrar com o esporte no futuro.
Ge