Lauro Bacca: Cães e gatos soltos na natureza representam riscos à fauna nativa de SC
Por Lauro Bacca, ambientalista e presidente da Associação Catarinense de Preservação da Natureza (Acaprena)
A fauna nativa na América do Sul, como em qualquer lugar do mundo, vivia num equilíbrio dinâmico que resultou de muitos números, melhor milhões de anos de adaptação entre suas diversas e especificidades e entre estas e seu meio. A relação entre presas e predadores faz parte desse equilíbrio.
A quase totalidade dos predadores terrestres nativos do Brasil não forma matilhas e caça de forma isolada utilizando da estratégia da surpresa. É o caso dos felinos, família de carnívoros que engloba desde uma onça pintada até o gato-do-mato-pequeno, que tentam agarrar suas presas de tocaia, sem persegui-las por longas distâncias.
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Se a presa perceber um tempo ela foge rápido e o felino logo desiste e tenta outro ataque ou outra presa mais tarde. Sendo assim, os cervídeos (família dos cervos e veados) de nossa fauna nunca precisaram evoluir para escapar do predador com uma corrida mais longa e demorada.
Junto com os europeus que aqui chegaram há pouco mais de 500 anos , complementar os primeiros cães e gatos, além de outros animais domésticos. E com eles um novo fator de desequilíbrio, entre tantos outros que prejudicam nossos ecossistemas.
Cães livres, muitos deles treinados para caça e adaptados para correr por longo tempo perseguem bichos da fauna nativa que não têm adaptação para corrida de longa distância. Os cervídeos que aqui servem de exemplo, acabam morrendo de exaustão, de ataque cardíaco ou até de rompimento do coração. Vi um lindo exemplar que caiu morto entre prateleiras de uma loja agropecuária, onde entrou, tentando se refugiar dos cães perseguidores, perto de minha casa em Blumenau, numa área de floresta e preservação. > Opinião: “Enchente de 1852 em Blumenau é superestimada e equívoco tem de ser corrigido”
Recente emente, publicou-se um estudo relatando casos de antas seriamente feridas por cães domésticos que perseguem, numa fazenda próxima ao Parque Estadual Carlos Botelho em São Paulo. Se o estrago num bicho que pode chegar a 300 quilos de peso já é grande, se for um filhote a morte é certa.
Cães e gatos podem ser amigos do homem, mas não são amigos da natureza, infelizmente. O lugar desses animais domésticos é dentro do cercado de cada casa ou no apartamento, de onde só podem sair para passear conduzidos por guias bem seguradas pelos seus donos. Soltos por aí, nem pensar. O impacto que eles causam à fauna nativa é gigantesco, seja perseguindo e afugentando, seja matando diretamente ou transmitindo doenças. Na Austrália, nos ensina uma bela cartilha editada pelo Instituto do Meio Ambiente de SC, os gatos matam 1,3 milhões de aves e nos Estados Unidos, os cães soltos matam 33,6 milhões de mamíferos silvestres … Por dia! Os dados constam em um artigo publicado pela revista Nature .
Então, amigo leitor, amiga leitora, respeito seu amor por gatos e cães que eu também tenho, mas, jamais com eles soltos eliminados por aí. Mesmo bem alimentados, eles perseguem e matam fauna nativa. Basta de tanta matança. Nossa fauna já sofre demais com inúmeros outros danos causados pelos humanos.
Portanto, temos o desafio e responsabilidade de evitar que o bem-estar do animal doméstico não implique mal-estar ou até morte do animal silvestre só porque este último, ao contrário dos bichos domésticos, está longe dos nossos olhos e … De nossos corações.
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