Joaquim Levy sofre pressão por devolução de R$ 100 bilhões
Como ministro de Dilma, Joaquim Levy tentou emplacar austeridade numa administração que gastava o que não tinha. Tentou tanto que caiu. O plano malogrado incluía cobrar do BNDES dinheiro de volta. Para os petistas, Levy era liberal demais. Agora, à frente do banco num governo que tem Paulo Guedes como czar da economia, Levy parece, para muitos na gestão Bolsonaro, liberal de menos. Parte da equipe econômica reclama, sob reserva, que Levy parece não querer mandar tanto dinheiro de volta assim.
Nem Guedes disfarça. “Não sei se ele quer, mas vai ter de devolver”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo em sua primeira entrevista exclusiva à imprensa nacional, reafirmando ali que espera ver a remessa ao Tesouro de ao menos R$ 50 bilhões até junho. Levy havia dito dias antes que ainda era “cedo” para dizer o quanto o banco devolveria.
Com a declaração, o chefe da Economia do governo Jair Bolsonaro tornava público um embate já em curso no ministério. Após a declaração de Levy de que o valor da devolução não estava definida, Guedes autorizara o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues Júnior, a redigir ofício, exigindo R$ 100 bilhões até o fim do ano.
A previsão era que o banco estatal pagasse R$ 26,6 bilhões em 2019, de acordo com cronograma definido durante o governo Temer – desde 2015, já foram devolvidos mais de R$ 300 bilhões. Mas Guedes quer mais. “Despedalar” o BNDES, como gosta de repetir o ministro, foi assunto na campanha e se tornou meta de governo.
A medida, que reduz o tamanho do banco, se encaixa no plano liberal de Guedes e contribui para baixar a dívida pública federal. Também cai muito bem na turma bolsonarista, que vê no BNDES um símbolo da era petista. Para esse grupo, o banco estatal que emprestou bilhões à Venezuela, a Cuba e a empreiteiras como a Odebrecht precisa quitar o quanto antes sua conta com a União.
Ciente do apelo do banco para sua base, no Palácio do Planalto, uma das primeiras promessas de Bolsonaro foi abrir a “caixa preta do BNDES”. Por ora, o esforço limitou-se à reedição de uma lista já conhecida de maiores devedores. Mas causou barulho nas redes sociais.
Surpresa.
O desgaste de Levy é surpreendente para alguns integrantes do ministério. Levy foi o mentor da estratégia de desmontar o “super BNDES” no governo Dilma. Segundo uma fonte da equipe econômica, não parecia haver dúvida de que Levy, uma vez à frente do banco, seguiria orientações de Guedes.
Responsável pelo convite a Levy, que deixou o posto de diretor no Banco Mundial para assumir o comando do BNDES, Guedes costuma reforçar a interlocutores que o tem em boa conta. Bancou seu nome junto a Bolsonaro, que não gostou da ideia de ter um ministro “petista”. Os dois chegaram a discutir durante uma reunião na casa de Bolsonaro no Rio. O presidente eleito resistiu, mas, diante da posição firme de Guedes, capitulou ao Posto Ipiranga.
O ministro elogia com frequência a formação técnica de Levy – ambos têm doutorado pela Universidade de Chicago. A pessoas próximas já disse que ele seria um bom nome para a presidência do Banco Mundial caso o Brasil tivesse o direito de indicar o próximo mandatário da instituição. Preocupa o ministro, contudo, que Levy esteja influenciado pelas pressões do que chama de “burocracia do banco”, segundo relatou recentemente a pessoas próximas.
Levy não tem argumentado contra a devolução de recursos, mas vem dizendo que é preciso cautela antes de uma decisão final. Assim que chegou ao banco, solicitou um estudo de sustentabilidade para analisar a situação do BNDES frente a um cronograma mais radical de pagamentos. Servidores do banco têm dito que seguir o Plano Guedes poderia significar, na prática, o fim do banco estatal.
Segundo fontes do BNDES, Levy deixou claro aos técnicos que devolverá o que for possível, mas sem sacrificar os projetos da instituição. Ele também já dividiu preocupação sobre possíveis questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) caso o BNDES comece a remeter muito mais dinheiro que o previsto. De acordo com Levy, isso poderia ser visto pelo TCU como uma forma de financiamento do Tesouro pelo banco, trazendo problemas no futuro a ele e outros integrantes da equipe econômica.
Uma fonte da área técnica do TCU diz que não há essa restrição e que o banco já poderia ter devolvido mais recursos a Brasília sem comprometer sua saúde financeira. A depender de Guedes, esse dinheiro não demorará a chegar à capital.
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