Hidrelétricas: estoque pesqueiro do rio Madeira é reduzido em 40%, diz estudo
ESTOQUE PESQUEIRO DO RIO MADEIRA É REDUZIDO EM 40% APÓS CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS
Desde a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, ambas no curso do Rio Madeira, no estado de Rondônia, uma queda de cerca de 40% no estoque pesqueiro foi notada na região. Ambientalistas apontam que a alteração no fluxo das águas provocou transformações na rotina e no bolso das populações ribeirinhas. Apenas no município de Humaitá, no Amazonas, estima-se que as perdas financeiras relacionadas à queda na compra e venda de pescados é de aproximadamente $ 342 milhões por ano.
De acordo com Rogério Fonseca, professor da Universidade Federal do Amazonas e co-autor do artigo “O declínio da pesca no Rio Madeira, Brasil: o alto custo das usinas hidrelétricas na Bacia Amazônica”, publicado na Revista Ambio, com a escassez dos peixes e de atividades correlacionadas, os moradores acabam por aceitar “oportunidades para condutas ilegais”.
“Quarenta porcento de redução no estoque pesqueiro é um número muito emblemático. Isso é resultado de um processo que ocorre há anos e gestores públicos estão inertes a situação. É crucial a formação de um comitê da bacia hidrográfica do rio Madeira incluindo países vizinhos, lideranças locais e acadêmicos, trabalhando para reduzir a pressão sobre o ecossistema e sobre as pessoas”, explica.
Segundo o professor, há casos de inúmeros pescadores que migraram para a extração ilegal de minerais, madeira e grilagem de terra. Nesse cenário, Fonseca reforça a importância do monitoramento constante do impacto ambiental de obras como essas.
A pesquisa feita por Fonseca mostra que o peixe é o melhor bioindicador para constatar impactos ambientais e, no caso da bacia do Rio Madeira, a alteração no comportamento desses animais está diretamente relacionado à mudanças na dinâmica fluvial do rio após a construção dos complexos hidrelétricos.
“Nesse estudo, tentamos entender o que a população local estava sentindo em virtude dessas mudanças. Constatamos que a vida de centenas de pessoas com tradição na pesca para o sustento próprio está sendo afetada. Nos relatos, ouvimos pedidos de ajuda para expor o que está acontecendo por aqui”, conta.
Com a abertura e fechamento das barragens, muitos cardumes que vinham diretamente da foz do Rio Amazonas para procriar em uma espécie de berçário no Rio Madeira deixaram de fazer essa movimentação. Além do impacto sócio-econômico, o pesquisador ressaltou que a inconstância no fluxo do rio gerado pelas hidrelétricas altera o ciclo biológico desses animais.
Segundo relatos de pescadores locais descritos no artigo, em algumas áreas tradicionais para atividade pesqueira, eram caputados entre 200 e 300 quilos de peixes. Atualmente, menos de 50 quilos são pescados. Além disso, a publicação narra que em meses historicamente mais produtivos, o cais onde chegam os peixes para serem pesados podem ser encontrados completamente vazios.
Pescador e secretário da Colônia de pescadores de Humaitá, José Maria de Oliveira, 42 anos, conta que a operação de pesca é complexa e demanda uma equipe de seis pessoas. Diante da queda de peixes na região, dezenas desses profissionais não conseguiram mais sustentar o custo dos barcos para a atividade.
“Somente na região de Humaitá, mais de 15 embarcações de pesca grandes rodavam por aqui. Hoje em dia, são no máximo três. A grande maioria das pessoas precisou mudar de vida para se sustentar. Os que continuaram, estão em barcos muito menores”, lamentou.
Oliveira ainda lembrou que a elevação dos custos para manter a operação foi inversamente proporcional aos lucros. “Há alguns anos, o quilo do pacu era vendido a R$ 3. Atualmente, é vendido a R$ 4, mas as nossas despesas mais que dobraram nesse período”, contou o pescador.
Por: Filipe Vidon
Fonte:Época