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“Há uma descrença da população no sistema político dos EUA”, afirma cientista política Ana Prestes

Os Estados Unidos vivem uma das crises mais graves de sua história recente, na avaliação de Ana Prestes, cientista política, socióloga e analista internacional. Do ponto de vista político, a eleição tumultuada, a não aceitação da derrota nas urnas por Donald Trump, a consequente invasão do Capitólio, na quarta-feira (6), com cenas de violência nunca…
“Há uma descrença da população no sistema político dos EUA”, afirma cientista política Ana Prestes

Os Estados Unidos vivem uma das crises mais graves de sua história recente, na avaliação de Ana Prestes, cientista política, socióloga e analista internacional.

Do ponto de vista político, a eleição tumultuada, a não aceitação da derrota nas urnas por Donald Trump, a consequente invasão do Capitólio, na quarta-feira (6), com cenas de violência nunca vistas dentro do legislativo norte-americano, temperam um momento tenso e de difícil solução.

As questões mais intrigantes no momento são: Trump vai cumprir seu mandato até o final, renunciará, será afastado por meio da 25ª Emenda ou sofrerá um processo de impeachment?

Menos de 24 horas após a presidenta da Câmara dos Representes dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, dar um ultimato no vice-presidente do país, Mike Pense, para que ele declare Trump “incapaz” de exercer a função, o Partido Democrata decidiu formalizar novo pedido de impeachment.

“Eu penso que as principais cabeças dos partidos Democrata e Republicano estão com uma grande questão para resolver. De um lado eles precisam provar que os responsáveis pelo que aconteceu não vão sair impunes. Mas de outro precisam livrar logo a Casa Branca de Trump e colocar para dentro o Biden e a Kamala Harris. Seja lá o que acontecer, vai marcar a política norte-americana no próximo período”, avalia Ana Prestes.

Fórum: Como observa o atual cenário político nos EUA, depois da invasão do Capitólio?

Ana Prestes:
A invasão do Capitólio não é algo à parte, mas está inserido em um processo bastante turbulento de transição presidencial. Talvez seja uma das mais complexas transições, que vai ficar marcada na história dos Estados Unidos. Todo o mandato Trump foi diferente do que vinha se observando, mesmo com a alternância de poder, entre Democratas e Republicanos. Eu penso que poucos presidentes foram tão excêntricos no tratamento com as instituições, com o próprio eleitorado, sua base e com os governados, digamos assim. Diante disso, o cenário político é de turbulência, de questionamentos, de dúvidas e de expectativa, porque essa crise ainda não teve um desfecho. O ano de 2020 foi de gestação de uma crise, cujo sintoma mais aparente foi a invasão do Capitólio. E é uma crise que ainda está em aberto.

Fórum: Acredita que as ações violentas observadas no Capitólio eram previstas?

Ana Prestes:
A invasão do Capitólio é parte de algo que já estava previsto, de certa forma. Não se sabia como seria exatamente. Os analistas e políticos mais experientes já vinham dando sinais. Um desses sinais foi dado no domingo anterior à quarta-feira (6) da invasão, quando saiu a carta dos dez ex-ministros, apontando que não havia base para recontagem de votos. Foi um sinal importante de que talvez tivesse sido identificada uma tentativa de golpe. Em minha opinião, a tentativa de golpe não se materializa com a invasão do Capitólio, em si. Esta ação foi mais um sintoma de insatisfação dos apoiadores do Trump. Sintoma maior de golpe foi a denúncia de que Trump estava tentando convencer o vice-presidente, Mike Pence, a usar suas prerrogativas, na sessão em que seria aprovada a contagem dos votos no colégio eleitoral, para que fosse aberta a recontagem.

Fórum: Você acha que a extrema direita, estimulada por Trump, ainda pode promover mais atos como os que ocorreram no Capitólio?

Ana Prestes:
No futuro, sim. Mas até a posse de Joe Biden, dia 20 de janeiro, acho mais difícil. São grupos bem organizados, que têm nome, sobrenome e endereço, têm claro o que pensam. Eles, realmente, acreditam que houve fraude, que a eleição foi injusta, que Trump é o grande vencedor. São os Proud Boys, grupo que só aceita homens brancos; o Make America Great Again (Maga); o pessoal do QAnon. Eles têm propósito, não deixaram de existir, por conta do desfecho da invasão do Capitólio. Agora, para o dia 20, dia da posse, que é o momento em que eles poderiam fazer algo grande, eu acho muito difícil, até porque todas as forças de segurança, guarda nacional, FBI, estão ligados no alerta máximo, principalmente porque essas forças foram muito questionadas, sobre como os invasores tiveram tanta facilidade para entrar no Capitólio. Eles precisam provar para o mundo que não vão errar de novo. Então, acho muito difícil que aconteçam atos como os do Capitólio até o dia 20. Depois da posse, tudo é possível. É claro que a invasão do Capitólio vai ser um episódio que marcará por muito tempo as referências nos EUA de como fazer ou não a segurança do espaço legislativo.

Fórum: Você vê possibilidade de Donald Trump ser afastado antes da posse de Biden, pela 25ª Emenda ou por impeachment?

Ana Prestes:
Esta é a pergunta que está colocando os analistas à prova. Logo após a retomada da sessão no Capitólio, começou a discussão sobre a 25ª Emenda. É um recurso que nunca foi usado nos EUA e dá a possibilidade de o gabinete, que são os ministros, e o vice-presidente tomarem a presidência interinamente, caso o presidente não esteja em condições, principalmente de saúde, para continuar no cargo. Além de ter que contar com a concordância do vice-presidente e da maioria dos ministros, ainda é preciso aprovar com maioria de dois terços nas duas Casas, no Senado e na Câmara dos Representantes. Não é algo simples de se fazer e depende muito da iniciativa do vice-presidente. E o Mike Pence já foi claro ao dizer que não vai fazer uso da 25ª Emenda.

Fórum: Diante disso, você acha que Trump não será punido, nem com o impeachment?

Ana Prestes:
Os Estados Unidos se autorreferenciam para o mundo todo de que são o grande exemplo de democracia e, com base nisso, fazem guerras, matam pessoas, realizam genocídios. Essa é uma das bases da política imperialista. Então, eles precisam provar para o mundo, e até internamente, que aquilo que o Trump fez, ao incitar manifestantes a invadir o Capitólio, ou tentar fazer recontagem de votos sem nenhuma prova de fraude, não vai passar impune. Ou seja, precisam usar todos os mecanismos para provar que não vai ser possível outro líder político fazer algo semelhante, que ele tem que ser punido. E uma das formas de punição é o impeachment. Mas também não é um processo feito da noite para o dia. É preciso formar uma comissão, o Trump ter direito ao contraditório. Eu penso que as principais cabeças dos partidos Democrata e Republicano estão com uma grande questão para resolver. De um lado eles precisam provar que os responsáveis pelo que aconteceu não vão sair impunes, mas de outro precisam livrar logo a Casa Branca de Trump e colocar para dentro o Biden e a Kamala Harris. Seja lá o que acontecer, vai marcar a política norte-americana no próximo período

Fórum: Como você vê o futuro dos EUA, com Biden na presidência e o país dividido?

Ana Prestes:
Esta é uma questão muito importante. Independentemente de quem vencesse as eleições, o país seria o mesmo, com profundos problemas. Um país que vai chegar a 400 mil mortes por coronavírus, pois não soube lidar com a pandemia. Um país que está com grandes problemas de ordem econômica, com desigualdade crescente, aumento da miséria e da pobreza, diminuição brutal da qualidade de vida. Além disso, tem dificuldades na manutenção de sua hegemonia global, pois tem sido ultrapassado pela China em vários aspectos, como econômico, tecnológico, de relações multilaterais. O futuro dos EUA se passa por como o país vai resolver essas questões. Dentro disso, houve uma disputa presidencial muito acirrada entre os dois partidos que, na prática, existem no sistema político. Partidos, inclusive, que se confundem entre si, pois, apesar das diferenças, têm muitas semelhanças. Há uma descrença da população no sistema político. De um lado você tem a extrema direita, que é o pessoal pró-Trump, que crê na fraude eleitoral; do outro tem a população mais vulnerável, os negros e imigrantes, que também não acreditam no sistema político, que não garante segurança, saúde e emprego. Este é o país que o Biden vai assumir.

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