Funai deve retirar indígenas da Casa do Índio, recomenda MPF
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) que retire em 30 dias os indígenas que pernoitam ou moram temporariamente na Casa do Índio (rua Rui Barbosa, 1407, Centro), em Porto Velho (RO). Na recomendação, o MPF relata que os indígenas vivem no imóvel em condições sub-humanas, correndo risco porque há perigo real de desabamento das instalações. Antes da retirada dos indígenas, a Funai deve providenciar alojamento para eles, articulando com os órgãos públicos de assistência social um local adequado para recebê-los.
Outra orientação do órgão é para que, no prazo de 45 dias, a Funai avalie a proposta da Santo Antônio Energia para reformar a Casa do Índio em substituição a outras obrigações que estavam previstas no Plano Básico Ambiental (PBA) da construção da barragem no rio Madeira. Como o PBA foi feito em 2013 e ainda não foi executado totalmente pela Santo Antônio Energia, as medidas propostas naquela época às comunidades indígenas impactadas pela barragem – Karitiana, Cassupá e Karipuna – estão sendo revistas. Caso a Funai analise e concorde com a proposta da Santo Antônio Energia na revisão do PBA, a Hidrelétrica poderá fazer a reforma da Casa do Índio. O MPF recomendou que, se isso ocorrer, o imóvel reformado seja cedido posteriormente para ser administrado pelas associações indígenas.
A recomendação também foi endereçada à Defesa Civil e ao Corpo de Bombeiros de Rondônia, com orientações para que dentro de 30 dias eles vistoriem o local e, se necessário, que providenciem a interdição do imóvel, já que há um risco de desabamento, além de sugerir medidas de proteção e prevenção de acidentes à Funai.
Entenda o caso – Diversas associações indígenas já solicitaram à Funai a reforma da Casa do Índio, que funciona como local de trânsito aos indígenas que precisam vir à cidade e tem servido, mais recentemente, de moradia temporária para estudantes indígenas que cursam faculdade.
Em 2014, a Funai informou aos indígenas que iria demolir a Casa do Índio, mas a autarquia não apresentou projeto alternativo que atendesse os indígenas que necessitam de ponto de apoio provisório em Porto Velho. Houve resistência das etnias e, com isso, o MPF, naquela época, recomendou que a Funai não fizesse a demolição enquanto não encontrasse um outro local para os indígenas.
Já em 2016, a Coordenadoria local da Funai, que era vizinha à Casa do Índio, mudou de endereço, deixando os indígenas ainda mais abandonados no local. O MPF aponta que, neste episódio, a Funai demonstrou omissão por retirar a Coordenaria sem realocar os indígenas que estavam ali (como os estudantes universitários que precisam morar na Casa durante o período letivo para poder frequentar as aulas nas faculdades de Porto Velho). Além disso, a Funai culpou os próprios indígenas como responsáveis pela situação degradante em que eles se encontravam. O MPF classificou de abusiva a decisão de cortar a energia elétrica e a água potável do local, pois isso “feriu ainda mais a dignidade humana” dos indígenas que estavam lá.
Um laudo antropológico elaborado pela perícia do MPF em 2018 indicou que a Casa do Índio é vista pelos indígenas “como seu território, como se fosse uma aldeia”. O local faz parte da história dos primeiros contatos entre indígenas e não-indígenas, guardando parte do acervo documental, histórico e cartográfico dos povos Karitiana, Cassupá e Karipuna, e tem em seu terreno várias seringueiras que revelam a tradição desta ocupação.
Em 2019, um parecer de engenharia do MPF apontou que o imóvel tinha esgoto sanitário despejado a céu aberto, umidade, infiltração e rachaduras nas paredes, restos de materiais de construção e lixo na área externa, forros de madeira e telhas quebradas. “Há risco de desabamento a qualquer momento”, afirma a procuradora da República Gisele Bleggi, com base no parecer.
Autodeterminação – A procuradora contesta a argumentação da Funai de que a existência de casas de trânsito, como a Casa do Índio, motivam “o êxodo dos indígenas de suas terras, incentivando o deslocamento para a cidade”. Para ela, “isso é uma visão equivocada e ultrapassada, segundo a ótica antropológica e jurídica contemporânea, porque não cabe à Funai ditar ou julgar moralmente o direito constitucional de ir e vir dos indígenas e de decidirem o seu próprio destino. A autodeterminação dos povos é um princípio jurídico conhecido em todo o mundo”.
Gisele Bleggi acrescenta que não cabe ao MPF ou à Funai coibir os deslocamentos dos indígenas para a cidade, principalmente quando isso ocorre para qualificação acadêmica, em instituição de ensino superior, porque é direito de todo ser humano entender e fazer o que é melhor para si e para sua comunidade. “Opor aldeia à cidade, floresta ao meio urbano, essencializando os índios como pertencentes a um dos polos, constitui uma visão de ‘higienização’ da cidade, contribuindo para marginalização e violação da dignidade dos indígenas”, finalizou.
Fonte:MPF/RO