Fluminense volta a Curitiba em luta contra o rebaixamento 15 anos após batalha campal
Dia 6 de dezembro de 2009. Estádio Couto Pereira, em Curitiba. O placar mostrava 1 a 1 na partida entre Coritiba e Fluminense pela última rodada do Brasileirão. Após os acréscimos, o árbitro Leandro Vuaden apitou pela última vez e encerrou o jogo. O milagre aconteceu: o Fluminense conseguiu se livrar do rebaixamento com o resultado, com uma arrancada histórica, com sete vitórias e quatro empates nas últimas 11 rodadas, depois de ser dado como rebaixado. O alívio e a emoção tricolor, porém, rapidamente foram ofuscados por momentos de terror.
Revoltados com o rebaixamento do Coritiba no ano do centenário, torcedores invadiram o gramado para agredir o árbitro gaúcho. A Polícia Militar agiu e houve um confronto generalizado. Cadeiras do estádio foram destruídas e jogadas no gramado.
Quinze anos se passaram desde o caos que tomou conta do Couto Pereira, que foi descrito como “batalha campal” por Vuaden na súmula.
Neste domingo, o Fluminense retorna a Curitiba, para novamente disputar um jogo importantíssimo na luta contra o rebaixamento. Desta vez, na Ligga Arena, contra o Athletico-PR, que tambem está no ano do centenário e precisa de pontos para ficar na Série A.
Abaixo, o ge traz bastidores da partida no Couto Pereira de 2009, que terminou com 17 feridos, prejuízo de mais de R$ 500 mil ao estádio e mais seis pessoas condenadas pelo quebra-quebra, após decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) em 2017. Confira.
A chegada ao jogo
Após ficar na lanterna do Campeonato Brasileiro de 2009 quase toda a competição e ter 99% de risco de ser rebaixado, o Fluminense deu um passo importante para permanecer na Série A ao bater o Vitória por 4 a 0 na 37ª rodada. Depois da arrancada história e de ter deixado o Z-4, faltava pouco para a permanência.
Com 45 pontos, um a mais do que o Coxa, adversário da última rodada, o jogo virou um confronto direto. Quem vencesse evitaria o rebaixamento, e o Flu precisa de um empate no Couto Pereira para garantir lugar na elite em 2010.
Na época, com todo o clima que envolvia o confronto, a imprensa e os torcedores divulgavam um grande “green hell”, ou “inferno verde”, como é conhecida a festa da torcida do Coxa no Couto Pereira. Ex-jogador do Fluminense, Dalton recorda que o clima tenso começou antes do apito inicial.
– Parece que foi ontem, mas o jogo iniciou bem antes do apito do árbitro. A torcida do Coritiba ficou soltando fogos a noite inteira na frente do hotel que estávamos hospedados, além disso, a cidade estava completamente mobilizada em relação ao jogo, como se fosse realmente uma guerra, o que infelizmente, aconteceu no apito final – lembra Dalton.
Preparado físico do Fluminense na época, Ronaldo Torres foi contratado na reta final do Brasileirão para ajudar Cuca a evitar o rebaixamento. Trabalhando atualmente no Inter de Limeira, ele lembra que o delegação tricolor enfrentou muitos problemas muito antes de ir para o estádio.
– Foi muito complicado tudo. Foi uma loucura total. Tivemos que trocar de hotel. Começaram a soltar foguetes quando chegamos. Foi uma confusão total ao redor do hotel, na ida para o estádio também. A gente só via a torcida do Coritiba para todo lado – Ronaldo Torres.
O jogo
Empurrado pela torcida, que fez uma linda festa antes da partida, o Coritiba começou em cima do Fluminense e criou sua primeira oportunidade de gol aos quatro minutos, quando Renatinho foi derrubado por Dalton na entrada da área. Marcos Aurélio cobrou com categoria e a bola passou à esquerda da meta de Rafael.
Um lance polêmico gerou muita reclamação por parte do Flu aos 21 minutos. Após cobrança de escanteio, Fred deu leve desvio na bola e tirou de Vanderlei, mas Jeci chegou rapidamente e afastou quando a bola ia entrando. Os tricolores pediram gol, mas o árbitro mandou o jogo seguir.
Aos 26, finalmente a rede balançou no Alto da Glória. Fred rolou a bola na cobrança de falta e Marquinhos chutou com força, no canto esquerdo de Vanderlei: 1 a 0 Flu. O Coxa não se abalou com o gol e quase chegou à igualdade aos 30, quando Marcelinho soltou a bomba da entrada da área. A bola subiu muito.
De tanto pressionar, o Coxa conseguiu o empate aos 35. Marcelinho Paraíba bateu falta na cabeça de Pereira, que testou firme e Rafael não alcançou.
No segundo tempo, precisando do gol, o Coritiba abusou das jogadas aéreas, mas a defesa tricolor segurou o 1 a 1. Choro de tristeza nas arquibancadas do Couto Pereira, e alegria e alívio para o time de guerreiros do Flu.
Do alívio ao pânico
Uma foto de Ronaldo Torres abraçando o técnico Cuca após o apito final ganhou muito destaque na época. Os momentos de emoção no gramado do Couto Pereira, no entanto, duraram pouco. De acordo com o preparador físico de 67 anos, em mais de 50 anos dedicados ao futebol, ele nunca viu nada parecido ao que se sucedeu ao apito final.
Nós estávamos comemorando e eu vi o pessoal entrando no gramado. De imediato até pensei que fosse a torcida do Fluminense festejando. Mas foi tudo muito rápido. Eu lembro de pensar “meu, Deus, o que está acontecendo?”. A gente não sabia para onde correr. Eu estava com a camisa do Fluminense e tive que tirar para não apanhar. Tive que me esconder.
Presos no vestiário
Enquanto os torcedores do Curitiba depredavam o estádio e entravam em confronto com policiais, a delegação tricolor conseguiu entrar em um dos vestiários do Couto Pereira após seguranças e militares abrirem caminho. Mas o drama ainda estava longe de acabar. Por causa do tumulto, o time teve que ficar preso no vestiário por horas até conseguir deixar o estádio rumo ao aeroporto.
– Ficamos quase três horas esperando no vestiário para poder deixar o estádio, mas naquele momento, nada mais importava. Não foi um título, é verdade, mas foi um jogo histórico, algo que jamais esquecerei – Dalton, ex-jogador do Fluminense.
FICHA TÉCNICA:
- CORITIBA X FLUMINENSE
- Data: 06/12/2009
- Local: Couto Pereira, Curitiba (PR)
- Árbitro: Leandro Pedro Vuaden (Fifa-RS)
- Auxiliares: Márcio Eustáquio Santiago (Fifa-MG) e Paulo Ricardo Silva Conceição (RS)
- Cartões amarelos: Leandro Donizete, Jaílton e Marcelinho Paraíba (COR), Dalton, Rafael, Marquinho, Equi González e Darío Conca (FLU).
- Gols: Marquinho (27’/1ºT) (0-1) e Pereira (35’/1ºT) (1-1)
- CORITIBA: Vanderlei; Rodrigo Heffner (Márcio Grabriel), Jéci, Pereira e Renatinho; Jaílton, Leandro Donizete, Pedro Ken (Carlinhos Paraíba) e Marcelinho Paraíba; Marcos Aurélio e Ariel (Rômulo). Técnico: Ney Franco.
- FLUMINENSE: Rafael; Gum, Dalton e Cássio; Mariano, Diogo, Maurício, Darío Conca e Marquinho (Dieguinho); Alan (Adeílson, depois Equi González) e Fred. Técnico: Cuca.
Depois de escapar do rebaixamento na última rodada em 2009, o Fluminense se consagrou campeão brasileiro no ano seguinte, após 26 anos, sob o comando de Muricy Ramalho, mas com Ronaldo Torres ainda como preparador físico.
– O nosso título começou ali em 2009, com aquele grande trabalho do Cuca, que barrou jogadores e conduziu o Fluminense para escapar do rebaixamento naquele jogo em Curitiba. Fomos campeões depois com um grande trabalho do Muricy. Mas tudo começou mesmo em 2009 – Ronaldo Torres.
A confusão no Couto Pereira terminou com 17 pessoas feridas. Na época, a estimativa foi que o prejuízo com as depredações superou os R$ 500 mil. O Coritiba acabou com pena de 30 jogos sem mando de campo e multa de R$ 610 mil. Após recorrer, a pena foi reduzida para dez partidas. Em março de 2017, o Tribunal do Júri condenou seis pessoas pela confusão.
Por lesão corporal qualificada, dois torcedores pegaram penas em regime semiaberto e outros quatro foram condenados, em regime fechado, por tentativa de homicídio contra policial militar, por motivo fútil. Eles saíram presos da sessão, mas todos passaram para o regime semiaberto após decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR).
O retorno do Flu a Curitiba
Quinze anos depois, o Fluminense enfrenta o Athletico-PR, na Ligga Arena, no próximo domingo, às 18h30 (horário de Brasília). Com o empate no Maracanã com o Criciúma na última rodada, o Tricolor é o atual 16º colocado no Campeonato Brasileiro, com 39 pontos – a apenas um ponto da zona de rebaixamento. Precisando de um resultado positivo para seguir firme na briga contra o rebaixamento, o Flu pode se apoiar na história, como acredita Ronaldo Torres.
– Eu acho que o Fluminense tem tudo para escapar de novo e acredito que vai escapar. Tem um bom treinador, um bom time. A parte psicológica agora é muito importante. Quando eu cheguei em 2009, o cenário era muito pior. Tudo mundo cravava o Fluminense como rebaixado e escapamos. Conseguimos escapar. Este ano, tudo para conseguir de novo. Mas tem que acreditar – Ronaldo Torres.
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