Empréstimo será opção para sacar saldo total do FGTS; estimativa é de ao menos R$ 150 bi em créditos
O trabalhador que optar pela modalidade de saque-aniversário, na qual receberá anualmente uma parcela do seu saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), também terá à disposição a possibilidade de buscar todos os valores depositados em sua conta do fundo por meio de linhas de crédito nas instituições financeiras.
A medida provisória 889, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta semana, contemplando as mudanças no FGTS – retirada de R$ 500 neste ano e opção pelo saque na data do aniversário a partir de 2020 – contempla essa possibilidade.
A MP informa que poderá ser feito o bloqueio de “percentual do saldo total existente nas contas vinculadas e ao saque em favor do credor [instituição financeira], com vistas ao cumprimento das obrigações financeiras de seu titular”.
Os trabalhadores poderão ter acesso a esses recursos por meio da antecipação desses “recebíveis”, ou seja, dos recursos nas contas aos quais teriam direito gradualmente por meio dos saques na data de aniversário.
As estimativas iniciais da área econômica do governo, divulgadas na exposição de motivos da medida provisória, é de que R$ 150 bilhões em empréstimos aos trabalhadores sejam feitos nos próximos dois anos. Mas esse valor, segundo técnicos da área econômica, é “muito preliminar” e pode ser superado. O saldo total das contas dos trabalhadores no FGTS acumula R$ 419 bilhões.
“O potencial de empréstimos é o que está no fundo. São mais de R$ 400 bilhões. Achamos que é um potencial muito importante”, declarou o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, ao G1.
Ele acrescentou que os bancos, por sua vez, poderão “securitizar” essas dívidas, ou seja, convertê-las em títulos negociáveis no mercado de capitais. Desse modo, poderão captar mais recursos.
O secretário observou, porém, que também caberá aos bancos, com base em sua filosofia empresarial, definir o volume de empréstimos dessa nova linha de crédito.
“Se quiser fazer sobre o saldo total [da conta do trabalhador], é uma escolha do banco. A SPE [Secretaria de Política Econômica] não colocou restrição nenhuma sobre isso”, declarou.
Opção para quem for demitido
De acordo com Sachsida, essa linha de crédito também será uma opção para os trabalhadores que optarem pela modalidade do saque-aniversário e forem demitidos.
Isso porque esses cotistas, no caso de demissão, manterão o direito à multa de 40% mas perderão o direito ao “saque-rescisão”.
Isso quer dizer que eles não poderão sacar o saldo remanescente na conta, nem mesmo se optarem pelo retorno à modalidade anterior (saque-rescisão). Para esse retorno, o governo fixou um prazo de carência de 24 meses.
Nessa hipótese, o saldo remanescente não será perdido, mas poderá ser sacado nas outras 19 situações que o regulamento do FGTS permite, como aposentadoria ou compra da casa própria – veja aqui todas as situações.
Com a nova modalidade de crédito, também será possível obter o dinheiro do saldo remanescente nas instituições financeiras. “Essa modalidade [de crédito] foi pensada para isso”, disse o secretário de Política Econômica.
Com isso, os empréstimos bancários serão uma nova forma de retirar o saldo do FGTS – após a aplicação da taxa de juros.
Regulamentação
Essa nova linha de crédito, porém, ainda precisará ser regulamentada pelo Conselho Curador do FGTS. O presidente do conselho, Igor Vilas Boas de Freitas, que é do Ministério da Economia, informou que o objetivo é fazer isso o “quanto antes”.
Segundo Freitas, os trabalhadores deverão ter direito a sacar todos os valores que já estiverem na conta no FGTS, dentro da filosofia do governo de que cada um tem liberdade para escolher o que fazer com seu dinheiro. Ele acrescentou que essa posição, porém, ainda não está totalmente definida. “Mas o que está escrito [na MP] é que libera tudo”.
Operação dos bancos
Depois de regulamentada pelo Conselho Curador do FGTS, as instituições financeiras ainda terão de operacionalizar essa nova linha de crédito. Para isso, cobrarão taxas de juros.
A expectativa do Ministério da Economia é de que as taxas cobradas sejam baixas, tendo em vista que os valores do saldo de cada trabalhador serão dados como garantia. O que quer dizer que os pagamentos estão assegurados, ocorrendo na data do aniversário de cada trabalhador.
Segundo o coordenador-geral de Sistemas Financeiros da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, Orlando Cesar de Souza Lima, com a garantia dos recursos depositados no FGTS, a expectativa é que as taxas de juros cobradas nessas linhas de crédito sejam inferiores ao empréstimo consignado.
Em junho, a taxa média do crédito com desconto em folha de pagamentos (empréstimo consignado), para servidores públicos e aposentados, foi de cerca de 1,7% ao mês.
“A garantia é líquida e certa, depositada no FGTS. Qual o risco para o banco? Com essa garantia firme, a tendência é que a taxa de juros seja menor do que o consignado”, declarou Souza Lima.
Proposta semelhante de 2016
A proposta dessa nova linha de crédito é parecida com um formato regulamentado em 2016, quando foi permitido que os trabalhadores do setor privado oferecessem até 10% do saldo do FGTS como garantia em um empréstimo consignado.
Nessa linha de crédito, a Caixa Econômica Federal, por exemplo, cobra uma taxa de juros de 3,5% ao mês e há um limite de 30% do salário de cada trabalhador.
O secretário Adolfo Sachsida, do Ministério da Economia, observou que, nesse caso, o mercado “não deslanchou” pois havia dúvidas se os bancos conseguiriam sacar as garantias naquele momento.
“No saque-aniversário, saca e coloca em uma conta. Uma vez que está na conta, consegue pegar o dinheiro, acaba sendo uma garantia excelente. Do jeito que está desenhado, não importa. É uma questão de mercado [quanto os bancos vão emprestar]”, disse ele.
O G1 entrou em contato com a Caixa, mas a instituição não forneceu parâmetros para essa nova linha de crédito com garantia nos saldos do FGTS – anunciada nesta semana.
Volume total de crédito
De acordo com dados do Banco Central, o total do crédito na economia brasileira somou R$ 5,41 trilhões em junho deste ano, o equivalente a 77% do Produto Interno Bruto (PIB).
Esse valor engloba o crédito bancário, que estava em R$ 3,29 trilhões, e outras operações, como empréstimos de bancos de investimentos, de fundos constitucionais, de captações feitas via títulos privados no mercado de capitais (como debêntures) e de operações no exterior.
De acordo com o Banco Mundial, esse patamar de 77% está abaixo dos percentuais de países desenvolvidos, como França (104,8% do PIB em 2018), Japão (168% do PIB em 2018), Estados Unidos (186% do PIB), Reino Unido (135% do PIB) e de países emergentes, como a China (161%).
Mas está acima da Índia (50% do PIB), do México (34,5% do PIB) e da Rússia (52% do PIB).
Segundo Fernando Rocha, chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, o crescimento do crédito bancário é um fator importante para impulsionar a economia brasileira – que se ressente de baixos índices de crescimento nos últimos anos e altas taxas de desemprego.
“Temos ainda um espaço para retomada desse crédito, que é importante para a retomada da atividade econômica. A inadimplência do crédito bancário brasileiro é bastante baixa e tem se mantido estável. Recentemente, o setor bancário atravessou uma das maiores recessões da nossa história com inadimplência baixa e solidez dos bancos. Há espaço para crescer sem isso gerar impacto na inadimplência”, afirmou Rocha.