Diversidade e inclusão: Realidade dos médicos LGBTQIAPN+ no ambiente profissional
Muito tem se falado sobre diversidade, representatividade e acolhimento nos mais variados ambientes, incluindo o trabalho. Mas, ainda que diante do progresso vivenciado cada dia com mais ênfase, profissionais de determinados setores ainda enfrentam grandes desafios ligados à própria orientação sexual.
Segundo a pesquisa “Observatório Sobre Empregabilidade LGBT”, de 2023, 35% dos entrevistados afirmaram já ter sofrido discriminação no ambiente de trabalho. O levantamento aponta ainda que apenas metade dos profissionais tem sua orientação sexual assumida em público, e que os maiores motivos para aqueles que optam pelo silêncio são: não ver necessidade em falar (51%); não gosta de expor sua vida pessoal (37%); não ser fortalecido fora do trabalho (32%); e medo de represália por parte dos colegas (22%).
No ano passado, um médico de Feira de Santana (BA) sofreu homofobia por parte de uma paciente grávida. O caso ganhou repercussão nacional após o colega de consultório ter saído em sua defesa. Na ocasião, a obstetra recebeu todo o apoio da instituição, que publicou nota de repúdio ao ato, encorajando a vítima a prestar queixa por crime de ódio.
Mas nem sempre foi assim: segundo o médico Vitor Henrique Oliveira, por ser mais tradicionalista e conservadora, a medicina pode representar um cenário menos acolhedor aos não heterocisnormativos. “Quando eu era estudante, participei de uma aula de propedêutica usando uma camisa de uma ONG LGBT do que fazia parte. O professor me disse se eu não tinha vergonha de pensar que eu era gay. Ele falou isso em uma sala cheia de futuros médicos. Com isso, ele deu a entender que, na prática da profissão, aquilo não era uma conduta correta”, diz o ginecologista e obstetra, que sempre foi muito firme em suas convicções e poderia transformar barreiras em oportunidades.
“Por conta da nossa cultura de violência, algumas mulheres recebem ginecologistas homens. Então, nesse caso, minha sexualidade acaba sendo uma vantagem, porque sinto que o desconforto delas é amenizado na minha presença”, diz Dr. Vitor, que enxerga ainda outro ponto positivo em que sua orientação seja resolvida o ajuda como pessoa e profissional. “Entender sobre a saúde e o cuidado integral da comunidade LGBT me ajudou muito, e fez com que me destacasse rápido no cenário acadêmico e prático”.
Barreira da representatividade
De acordo com um estudo recente realizado pela consultoria global Ótimo lugar para trabalhar (GPTW), apenas 8% das lideranças de empresas são LGBTQIAPN+, incluindo os profissionais de saúde. Diante do percentual tão baixo, a história de vida do Dr. Vitor Henrique se torna uma exceção à regra. Assim como a da Dra. Viviane Borgert. Clínica geral, ela relata nunca ter sofrido uma situação de constrangimento em ambientes profissionais.
“Como eu atuo com a população LGBTQIAPN+, não tenho problemas em dizer que sou uma mulher trans e lésbica”, diz a médica, que tem formação também em engenharia mecânica. “Mas, em indenização, já trabalhei em dois órgãos públicos anteriormente, como engenheira, e sofri assédio moral em ambos, pois as pessoas ainda não conseguem entender que uma pessoa trans ou LGBTQIAPN+ pode ter o mesmo nível de instrução e competência em qualquer profissão” , conclui a médica, que desenvolveu como prática do dia a dia fazer valer seus direitos por onde quer que você esteja.
“Quando atos (preconceituosos) aconteciam, eu sempre fui forte em afirmar que não toleraria desrespeitos e que existe amparo legal para nos proteger em situações de assédio e discriminação”, enfatiza, lembrando que, desde 2019, a homofobia é crime imprescritível e inafiançável e prevê pena de um a três anos de reclusão.
No caso de Vitor, o fato de ter ocupados lugares de representatividade foi o que o eximiu dos maiores dissabores durante a formação e já no exercício da profissão. “Sempre fui de diretório acadêmico, muito articulado e com posicionamento político bem definido. Então, acho que as pessoas compensam antes de comprar uma briga”, afirma ele, reiterando que por mais difícil que seja, os lugares devem ser ocupados, independentemente da origem, etnia, classe social, religião, orientação sexual das pessoas.
“Se posicionar é muito importante, e isso não acontece de uma hora para outra. É um exercício existencial de reflexão sobre os próprios direitos e assumir a postura de não permitir que as pessoas ajam de forma preconceituosa”, afirma.
Mudanças possíveis
O combate à homofobia requer uma abordagem abrangente que englobe diferentes esferas da sociedade, desde a legislação até a educação e a conscientização. Isso envolve a implementação de políticas antidiscriminatórias, programas de treinamento de sensibilização e promoção de lideranças diversas.
Dra. Vivian diz que sempre esteve aberta a falar sobre sua própria sexualidade como forma de educação, já que a inclusão se ensina sim, e ainda nas escolas e faculdades. “Antigamente ninguém se autodeclarava gay ou lésbica, muito menos trans, e por isso o assunto nunca foi abordado. Era aquilo: ‘o que não se vê, não existe e não é importante’. Mas hoje as pessoas LGBTQIAPN+ não se escondem mais, pois sabem que têm toda uma proteção legal e órgãos governamentais organizados para nos proteger e nos deixar à vontade para fazer denúncias. Por conta disso, a sociedade como um todo, principalmente os mais jovens, tem demonstrado muito mais respeito à diversidade”, afirma.
Dr. Vitor complementa: “Acredito na força da comunidade. O ser humano é tribal, então a gente vai encontrando nossos pares pelo caminho e se fortalecendo. Se eu conheço um profissional que tem cobertura com a pauta e sei que pode oferecer um bom acolhimento, que não vai discriminar meus pacientes, então existe uma chance maior de eu encaminhar algum paciente”.
Cartas para um jovem médico
“A mensagem que deixo hoje para o profissional em início de carreira, seja dentro da medicina ou não, é sinta-se à vontade com quem são. Se você entrar em um debate, saiba até onde deve ir e fazer isso de forma estruturada. Deixe claro os direitos, e a lei que hoje já coíbe qualquer tipo de discriminação por conta de orientação sexual. Procurem por pessoas aliadas à causa, criem comunidade e se juntem a pessoas que te inspiram. A melhor forma da gente cortar é aprender com quem já passou por ele”, finaliza o ginecologista.
“Dentro de qualquer área, os jovens profissionais precisam ter em mente que ser uma pessoa LGBTQIAPN+ não é mais importante que ser uma pessoa que escolheu a profissão que ama e quer ter o direito pleno de exercê-la em busca de satisfação pessoal e profissional” , finaliza a Dra. Viviane Borgert.
Os benefícios da diversidade e inclusão:
Promover a empregabilidade LGBTQIAPN+ não é apenas uma questão de justiça social, já que a diversidade e a inclusão oferecem consideráveis benefícios dentro dos ambientes corporativos. Veremos cinco deles logo abaixo:
- Inovação: grupos diversos trazem perspectivas diferentes para a mesa, o que pode levar a soluções mais criativas e inovadoras;
- Atratividade de talentos: empresas que valorizam a diversidade são mais atraentes para uma ampla gama de talentos, aumentando a competitividade no mercado de recrutamento;
- Desempenho financeiro: estudos mostram que empresas com diversidade em suas equipes executivas podem ser até 33% mais lucrativas;
- Satisfação dos colaboradores: um ambiente de trabalho inclusivo melhorou a satisfação e o engajamento dos colaboradores, contribuindo para a retenção de talentos;
- Reputação e responsabilidade social: empresas que apoiam causas sociais, como a inclusão LGBTQIAPN+, ganham uma confiança positiva e demonstram responsabilidade social.
* Vitor Henrique é ginecologista pela Faculdade de Medicina do ABC, especializado em Saúde LGBTQIAPN+ pelo Instituto Saudiversidade, membro do Grupo de Sexologia do CAISM – São Bernardo do Campo e conteudista do Portal Pebmed.
* Vivian Borgert é médica clínica geral, promovendo atendimento em saúde mental Saúde LGBTQIAPN+ e membro da WPATH (Associação Profissional Mundial para Saúde Transgênero) desde 2019. Vivian também é doutora em Engenharia Mecânica com muitos anos de experiência na área.
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Autor
Roberta Santiago é jornalista desde 2010 e estudante de Nutrição. Com mais de uma década de experiência na área digital, é especialista em gestão de conteúdo e contribui para o Portal trazendo novidades da área da Saúde.