Com nomes em órgãos globais, Portugal está na moda também na diplomacia
Não é que a nostalgia dos portugueses em relação ao passado de conquistas e grandeza de seu país tenha se evaporado – fado e Lusíadas sempre haverá.
Nos últimos anos, porém, a melancolia vem sendo tingida por um entusiasmo crescente pela ascensão de candidatos lusos à elite da governança internacional.
Portugal está na moda, e não só entre turistas europeus em busca de clima ameno e custo de vida ainda acessível ou entre brasileiros à procura de oportunidades profissionais. O multilateralismo achou um porto seguro no pequeno território ibérico de 10 milhões de habitantes, apenas a 19ª economia da Europa.
António Guterres, primeiro-ministro de 1995 a 2002, elegeu-se secretário-geral das Nações Unidas no fim de 2016. No ano seguinte, Mário Centeno, ministro das Finanças, chegou à presidência do Eurogrupo, que reúne os chefes da Fazenda dos 19 países em que circula a moeda comum.
Em 2018, foi a vez de António Vitorino, ex-ministro da Defesa, assumir a direção da Organização Internacional para as Migrações.
Antes, houve José Manuel Durão Barroso, que emendou a chefia de governo em Lisboa com a presidência da Comissão Europeia (2004-14), braço executivo da União Europeia.
“Isso é resultado de um trabalho de formiguinha do aparelho diplomático português”, diz Lívia Franco, professora no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.
“Percebeu-se que uma boa estratégia era apresentar ‘segundos melhores candidatos’. As grandes potências, como EUA e Rússia, sempre invalidam as primeiras opções umas das outras, o que abre a possibilidade de nossos nomes passarem à linha de frente.”
Franco ressalta posições de destaque alcançadas também por portuguesas. Catarina Albuquerque, com passagens por ONU e Comissão Europeia, lidera a organização Saneamento e Água para Todos, que reúne mais de 60 países.
Já Mónica Ferro dirige o escritório de Genebra do Fundo da ONU para a População.
Segundo a professora, a convicção de que o sistema multilateral era a melhor via para Portugal se sedimentou após o fim da ditadura, em 1974.
Protagonistas da transição democrática, o socialista Mário Soares (que viria a ser presidente e premiê) e o social-democrata Francisco Sá-Carneiro (premiê) perceberam que o país só poderia substituir a projeção da era colonial por uma presença expressiva em órgãos colegiados.
Três eixos norteariam essa reinserção na cena global: a reafirmação do pertencimento à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a aproximação com a Europa e o estímulo à panlusofonia no âmbito da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, reinvenção de laços com as ex-colônias).
“A resistência de Portugal ao movimento de descolonização danificava sua imagem”, diz Daniel Marcos, professor de história da política externa na Universidade Nova de Lisboa. “A partir de 1974, busca-se passar a ideia de um país moderno, respeitador da evolução do direito internacional e disposto a contribuir para a resolução de conflitos.”
À cordialidade hoje se soma a noção de um Portugal “sem grandes ambições de poder material, não ameaçador”, nas palavras de Franco.
Mas a afabilidade não se traduz em volubilidade, insiste ela. “Somos cordatos, mas sem ambivalência. Nunca abandonamos nossas alianças fundamentais. Os grandes sabem com quem estão lidando.”
Além de acariciar o ego nacional, a presença de portugueses em vitrines diplomáticas prepara o terreno para eventuais turbulências. “O país era visto como mal preparado, trapalhão. O crescente respeito por seus diplomatas dá mais latitude em negociações, como foi possível ver na crise de 2010”, conclui.
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