Bolsonaro brigará na Justiça por fundo de R$ 8,9 bilhões do DPVAT
Após decidir acabar com o Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT), o governo Jair Bolsonaro se prepara para travar uma briga judicial para ficar com o fundo de R$ 8,9 bilhões, o atual valor no caixa do seguro. Responsável por operar o DPVAT, o consórcio Líder argumenta que o dinheiro seria de natureza privada – e não pública.
Em novembro, Bolsonaro assinou medida provisória extinguindo o “seguro obrigatório” para veículos a partir de 2020. O benefício garantia indenização de até R$ 13,5 mil em casos de morte, invalidez permanente ou despesas médicas por acidentes de trânsito dentro do território nacional causado por veículo registrado no Brasil.
A decisão inspirou críticas e gerou dúvidas sobre o destino dos recursos acumulados na arrecadação do seguro. Por lei, 45% da receita do DPVAT têm como destino o Sistema Único de Saúde (SUS) e outros 5% vão para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Já a operadora é autorizada a ficar com 2% de lucro.
Em 2018, o DPVAT repassou R$ 2,08 bilhões para o SUS, segundo dados do Ministério da Saúde. Superintende da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Solange Vieira afirma, no entanto, que há tendência de queda na arrecadação e que o valor deve chegar a R$ 965 milhões neste ano – ou seja, menos da metade. O órgão é ligado ao Ministério da Fazenda.
“(O fundo) vem de cálculos de prêmios que eram feitos com base no ano anterior e, como tinha muita corrupção, o valor sempre ia aumentando. Depois, quando começaram as investigações de fraudes no DPVAT, o número de sinistros foi caindo assustadoramente”, diz Solange. “A sobra, hoje, é de R$ 9 bilhões e a gente está estimando que, acabando o DPVAT, R$ 5 bilhões vão ser devolvidos para o SUS.”
Segundo Solange, o valor garantiria repasses anuais ao SUS até o fim de 2025 – para o próximo ano, a previsão é que R$ 1,2 bilhão do DPVAT vá para a saúde pública. Por sua vez, o restante seria reservado para pagar indenizações de acidentes que ocorrerem até 31 de dezembro, já que a vítima ou a família tem até três anos para solicitar o benefício.
Para a superintendente, o período de cinco anos também serviria para o governo organizar a nova fonte do SUS, se necessário. “O SUS tem garantido pela Constituição o mínimo legal. A gente olhou o histórico e o gasto do SUS gira em torno do mínimo legal”, afirma. “Se o governo perde alguma coisa que faça falta, ele tem de remanejar.”
Antes que o dinheiro chegue ao Tesouro Nacional, o governo Bolsonaro acredita que terá de travar uma batalha na Justiça com a atual operadora do DPVAT. “Ela (a Líder) já avisou que vai judicializar a questão, mas eu não vejo espaço legal para algum juiz entender que esse dinheiro não é da população”, diz Solange.
“O governo faz uma cobrança pública, obrigatória, de recursos e transfere para o monopólio privado. Este monopólio privado é todo tabelado, até o lucro que ele pode ter é tabelado. O patrimônio da Líder, então, é de 2% do lucro”, afirma a superintendente da Susep. “Pode até discutir para onde devolve o fundo: se o Estado representa a população para recebe ou se eu tenho de bater na porta de cada um para devolver.”
Para que, de fato, o DPVAT acabe, a medida provisória precisa ser aprovada no Congresso Nacional em até 120 dias. Em caso contrário, ela caduca.
Questionada se pretende entrar na Justiça por causa do fundo do DPVAT, a Líder não respondeu. “O entendimento é de que estes recursos podem e devem ser utilizados em benefício da população com a elevação do valor das indenizações; em ações de prevenção a acidentes de trânsito; e para a melhoria da operação do Seguro DPVAT”, diz a nota. Segundo afirma, o valor das indenizações estão congelados há 12 anos.
Formado por 73 empresas, o consórcio diz que “vários juristas conceituados” defendem a posição de que esses recursos são de natureza privada. “Tal entendimento também foi registrado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), em um Acórdão”, diz.
“Entendo que a relação estabelecida entre os proprietários de veículos e as seguradoras é de natureza privada. Em consequência, não há como afastar a natureza também privada dos recursos envolvidos nessa relação, notadamente daqueles voltados para a operacionalização do seguro”, destaca o comunicado, em trecho atribuído ao TCU.
Ainda de acordo com a Líder, as tentativas de fraudes representariam 2% do total de mais de 600 mil pedidos de indenização apresentados em 2018.
“Ao longo do tempo, usando inclusive modernos sistemas de inteligência artificial, aprimoramos o processo de prevenção e detecção de fraudes e reduzimos substancialmente as ocorrências e os pagamentos indevidos”, diz. “Os casos detectados e comprovados são denunciados às autoridades para investigação e aplicação das sanções previstas em Lei.”
Denatran vai emitir documentos
Além de operar o DPVAT, a Líder é a responsável por emitir papéis usados para a documentação de veículos no País. Com o fim do seguro obrigatório, o Denatran deve assumir a função de emitir o licenciamento dos carros a partir de janeiro, segundo afirma a superintendente da Susep, Solange Vieira.
“Existia um convênio do Denatran com a Líder, para que a Líder emitisse o papel. Agora, eles é que vão ter de emitir”, afirma Solange. Para a superintendente da Susep, a mudança não deve enfrentar problemas com recursos. “Para a documentação de veículo, a taxa cobrada é sua, você quem paga. É R$ 4,15.”
Solange afirma, ainda, que o Denatran foi avisado da mudança. “Estamos fazendo um trabalho junto a eles”, diz. “A gente já mandou correspondência dizendo: ‘Olha, não esqueça que agora vocês vão ter que emitir o papel do documento do carro”
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