Autoridades investigam suspeita de “rachadinha” em venda de Mayke pelo Cruzeiro em 2018
Entre os contratos investigados no Cruzeiro pela Polícia Civil de Minas Gerais, com acompanhamento do Ministério Público do Estado, está o contrato da transferência do lateral-direito Mayke ao Palmeiras. A venda, sacramentada em dezembro de 2018 pela Raposa, é alvo de investigação sobre como se deu a transferência dos direitos econômicos do jogador.
A investigação da Polícia Civil ainda não teve uma conclusão, mas é investigado se houve alguma irregularidade no momento da venda do jogador, em 2018. O Palmeiras, clube que recebeu Mayke, não figura como suspeito no inquérito, conforme informado à reportagem.
O pedido do contrato da venda de Mayke foi feito pela Polícia Civil ao Cruzeiro em 5 de fevereiro deste ano, requisitando o acordo realizado pelo clube com eventuais parceiros pelos direitos econômicos do jogador. O pedido veio depois da ADS Engenharia e Construções LTDA, que briga no Tribunal de Justiça de Minas Gerais pelo recebimento de valores em relação ao percentual (30%) de Mayke, entregar o acordo que dividia os direitos entre a empresa e o Cruzeiro. A empresa de engenharia não está sob investigação no caso.
Em documento anexado em 4 de fevereiro deste ano, em que o Palmeiras figura apenas como um terceiro e não como réu no processo, o clube mineiro informou que pretendia produzir prova oral para “elucidar como se deu a negociação da venda do jogador; as partes envolvidas; terceiros interessados; nulidades; eventuais fraudes, que inclusive estão sendo atualmente apuradas pela Polícia Civil”.
Trecho de documento do Cruzeiro na Justiça, apontando “eventuais fraudes” investigadas pela Polícia — Foto: Reprodução
A investigação sobre este contrato ainda não teve um desfecho, assim como todo o inquérito aberto na Polícia Civil e no Ministério Público de Minas Gerais para investigar irregularidades na última gestão cruzeirense. Entre os crimes apurados no clube, segundo o MPMG, estão falsidade ideológica, de documentos, apropriação indébita, organização criminosa e lavagem de dinheiro. O representante oficial do lateral, Fábio Mello, prestou depoimento dentro do inquérito, mas não foi citado na investigação.
O imbróglio do contrato e da venda
A última decisão na Justiça sobre o pagamento dos 30% de Mayke à empresa de engenharia foi a penhora do valor de R$ 5 milhões, determinado pelo juiz, a ser depositado em juízo. O Palmeiras, alegando dificuldade no fluxo de caixa, requisitou o parcelamento em 10 vezes do valor e teve o pedido deferido. A ADS Engenharia entrou com pedido tutelar requerendo o depósito total, mas a Justiça indeferiu. Três parcelas, cada uma de R$ 500 mil, já foram depositadas. A última foi anexada ao processo na última terça.
O pedido do Cruzeiro para produzir prova oral sobre a negociação havia sido aceito, e a audiência marcada para 27 de maio. Entretanto, por causa da pandemia do novo coronavírus, a sessão foi cancelada e ainda não tem nova data.
Mayke foi vendido ao Palmeiras por 3 milhões de euros (R$ 14.576.100,00), de forma antecipada, em negócio sacramentado em setembro de 2018. Do montante, R$ 8 milhões seriam pagos ao Cruzeiro, que detinha 70% dos direitos econômicos. Entretanto, todo o dinheiro cruzeirense já estava comprometido no momento da venda, por causa de uma dívida do clube com empresário Giuliano Bertolucci. O caso foi contado pelo GloboEsporte.com em 2019.
Mayke continua atuando no Palmeiras — Foto: Cesar Greco/Palmeiras
O valor arrecado pelo Cruzeiro no empréstimo era buscado para quitar obrigações trabalhistas (depósito de FGTS, por exemplo) com o elenco profissional e, assim, evitar que alguns jogadores recorressem à Justiça para rescindir o contrato. Isso em um momento crucial da temporada 2018, com a disputa da semifinal da Copa do Brasileiro contra o próprio Palmeiras.
Segundo apurou a reportagem, na estadia da delegação em São Paulo para a primeira partida da semifinal, o então vice-presidente de futebol da Raposa, Itair Machado, teria procurado Bertolucci para um empréstimo de R$ 8 milhões, dinheiro que seria utilizado para pagar impostos atrasados. O “contrato de mútuo” foi assinado entre as partes em 28 de setembro.
Sobre a suspeita de irregularidades no contrato e o pagamento de comissões, Itair Machado foi ouvido pela Globo e disse que nada foi provado e que nada aconteceu. O dirigente ainda afirmou estar sendo perseguido politicamente.
– Sobre o possível recebimento de comissão por empresários, posso garantir ao torcedor que isso não aconteceu. As investigações irão comprovar tudo. Para indiciar alguém, é necessário comprovar algum crime, e isso tenho certeza e será provado que não cometi. Fui e estou sendo vítima de uma briga política e poder de um clube que já estava em dificuldades financeiras.
Bertolucci conversou com o Palmeiras e teria confidenciado a situação da Raposa. Sabedora da situação, a diretoria do clube paulista procurou o Cruzeiro e se mostrou interessada em comprar Mayke antes do término do empréstimo, que iria até 31 de dezembro, mas por um valor menor. No contrato de cessão temporária, os 100% dos direitos econômicos do jogador estavam fixados em 4 milhões de euros. O clube paulista, então, obteve um desconto de 1 milhão de euros, se valendo da urgência celeste em obter grande quantia de dinheiro à vista. Pagou 3 milhões de euros (R$ 14.576.100,00).
Contrato de empréstimo entre Bertolucci e Cruzeiro — Foto: Reprodução
Com direito a 2,1 milhões de euros, equivalente a R$ 8 milhões, o Cruzeiro aceitou a negociação e repassou todo o valor a Bertolucci como forma do pagamento de empréstimo, em contrato datado de 2 de dezembro de 2018, mesma data em que o contrato de venda do atleta foi firmado entre os clubes. O Palmeiras parcelou de três vezes o pagamento ao empresário, todas em 2019: em abril e julho (R$ 2,7 milhões cada uma) e em setembro (R$ 2,6 milhões).
Ainda na negociação, o Cruzeiro firmou contrato com a empresa Jeo Rafah Sports Eireli, cujo sócio administrador é Felipe Costa Isidoro, filho do empresário Carlinhos Sabiá, que tinha fortes relações com a diretoria passada. Pelos “serviços de intermediação” na venda de Mayke, a Jeo Rafah teve direito a 10% do valor da venda. Ou seja, R$ 800 mil, cujos pagamentos foram acertados em duas parcelas, em setembro e outubro de 2018.
Vale lembrar que a empresa de Sabiá não tinha cadastro de intermediação na CBF quando firmou o contrato de comissão com o Cruzeiro, algo obrigatório para receber valores de comissão. O agente chegou a garantir que, quando recebeu os valores da Raposa, a empresa já tinha cadastro realizado.
No relatório da Kroll Consultoria, que investigou contratos e documentos do Cruzeiro entre dezembro de 2017 e dezembro de 2019, é apontado pagamento de R$ 13 milhões a agentes intermediários sem cadastro na CBF.
Na época da reportagem, o empresário Giuliano Bertolucci informou, por meio de sua assessoria, que não teceria comentários sobre seus negócios, mas que tinha um crédito a receber do clube, “não tendo interferência na relação da negociação” da venda de Mayke.
– O empresário Giuliano Bertolucci não fala de suas relações comerciais, porém, para esclarecimento e por respeito à pergunta, deixa claro que tinha um crédito a receber com o Cruzeiro, que indicou a forma de pagamento através de um crédito que o clube tinha em uma negociação com uma outra equipe, não tendo nenhuma interferência na relação da negociação entre as duas agremiações.
Os 30% restantes da negociação – equivalentes a R$ 6.576.100,00 – ficaram na mão de Carlos Alberto Oliveira Fedato, conhecido no mundo do futebol como Beto Fedato, sócio de Giuliano Bertolucci.
Fedato virou titular de 30% dos direitos econômicos de Mayke um dia depois de o jogador fazer novo contrato de trabalho com o Cruzeiro (que permaneceu com 70%) no final de 2013, época em que terceiros ainda poderiam deter direitos de atletas. Na época, a compra dos 30% de Mayke (cedidos pelo próprio jogador) custou a Fedato R$ 300 mil. E o Cruzeiro desembolsou R$ 700 mil por 70% de Mayke.
No ano passado, Beto Fedato foi procurado pela reportagem do GloboEsporte.com para comentar o assunto, mas, por meio da assessoria, informou que “nos contratos existem cláusulas de confiabilidade, então essas informações devem ser checadas e confirmadas pelos clubes que você (repórter) citou”.
Contrato de venda de 30% dos direitos econômicos de Mayke, realizado entre o jogador e o agente Fedato — Foto: Reprodução
A ADS tem percentuais do lateral desde quando ele estava na base cruzeirense. Em 2010, firmou contrato com o Cruzeiro, dividindo os direitos econômicos do jogador. Nele, a ADS ficou com 30%, enquanto o Cruzeiro com 70%. O contrato de Mayke iria até 30 de novembro de 2013. Em 12 de agosto de 2013, o Cruzeiro enviou um e-mail à ADS, formalizando o que as partes haviam conversado em reunião e questionando se a empresa gostaria de readquirir os 30% dos direitos de Mayke, afirmando que o contrato de trabalho de Mayke com o Cruzeiro se encerraria em 30 de novembro de 2013.
No processo, a ADS tratou a ação do Cruzeiro como “ardilosa e premeditada”. Segundo a empresa, o Cruzeiro distorceu a interpretação do texto do primeiro contrato e deixou a vigência do acordo de trabalho desportivo havido com o atleta encerrar para, logo em seguida, assinar a renovação contratual.
Mayke renovou o contrato com o Cruzeiro em 3 de dezembro de 2013, com o clube mineiro pagando R$ 700 mil em 36 parcelas por 70% dos direitos econômicos, com os 30%, que pertenciam à ADS, ficando nas mãos de Mayke. A empresa de engenharia não é citada no contrato.
Um dia depois, Mayke celebrou um contrato com o empresário Beto Fedato, cedendo os 30% que detinha direito por R$ 300 mil. Assim, na negociação de renovação, o jogador fez jus a R$ 1 milhão. A ADS questionou na Justiça os direitos que detinha sobre Mayke e, após um longo processo aberto em 2014, obteve decisão favorável e definitiva em 2016, de que tinha direito aos 30% dos direitos econômicos do jogador.
Agora, a discussão na Justiça é sobre o pagamento do valor à empresa. O processo entre a ADS e o Cruzeiro segue na 15ª vara cível de Belo Horizonte. E aguarda marcação de nova “Audiência de Instrução e Julgamento”, na qual é prevista a oitiva de testemunhas sobre o contrato da venda de Mayke ao Palmeiras.
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