Apesar de alta nas receitas, dívida dispara para mais de R$ 900 milhões, e Corinthians tem pior resultado do país no 1º semestre
A pandemia do coronavírus suspendeu campeonatos, interrompeu o fluxo de receitas e deixou clubes de futebol em situações desafiadoras. É natural que as finanças tenham piorado no primeiro semestre de 2020. Mas nenhum registrou uma piora tão acentuada quanto o Corinthians.
No decorrer desta semana, o ge analisa em textos individuais as finanças dos principais clubes que publicaram balancetes – documento feito pelos departamentos financeiros com a visão parcial das finanças até 30 de junho. Ouça também o podcast Dinheiro em Jogo sobre o assunto.
As finanças do Corinthians — Foto: Infoesporte
Dívidas, dívidas
Em seis meses, o endividamento do Corinthians passou de R$ 665 milhões para R$ 902 milhões – maior aumento entre todos os clubes que publicaram balancetes. Adversários diretos como Grêmio e Vasco atravessaram o mesmo período sem agravar suas dívidas, por exemplo.
O perfil da dívida também piorou. Se em dezembro de 2019 o montante a pagar no curto prazo era de R$ 399 milhões – isto é, dívidas com vencimento inferior a um ano –, em junho de 2020 este número subiu para R$ 548 milhões. Um compromisso impossível de ser honrado.
Em R$ milhões | dez/19 | jun/20 | Variação |
Endividamento | 665 | 902 | +237 |
Curto prazo | 399 | 548 | +149 |
Longo prazo | 266 | 354 | +88 |
Curto prazo | 60% | 61% | |
Longo prazo | 40% | 39% |
Quase todos os tipos de dívida, segundo a classificação do departamento financeiro corintiano, aumentaram no primeiro semestre deste ano.
A pagar no curto prazo:
- R$ 91 milhões a mais em fornecedores
- R$ 68 milhões a mais em direitos de imagem
- R$ 29 milhões a mais em empréstimos
- R$ 5 milhões a mais em impostos parcelados
- R$ 5 milhões a mais em outras contas a pagar
- R$ 46 milhões a menos em salários e encargos
A pagar no longo prazo:
- R$ 100 milhões a mais em impostos parcelados
- R$ 4 milhões a mais em fornecedores
- R$ 16 milhões a menos em empréstimos
Em outras palavras, na pandemia do coronavírus o Corinthians buscou novos empréstimos bancários, deixou jogadores sem receber direitos de imagem e tem deixado terceiros (como agentes, clubes e prestadores de serviços, todos incluídos em “fornecedores”) sem pagamentos.
O aumento da dívida no longo prazo é uma “boa notícia” para o clube, por incrível que pareça. O valor precisaria ser pago mais rapidamente, mas a diretoria fez um acordo com o governo para reparcelar e postergar o pagamento para período superior a um ano.
A consequência mais grave deste quadro é a pressão que a péssima situação financeira fará sobre o futebol. À medida que as dívidas aumentam, cresce a necessidade do Corinthians de se desfazer de jogadores – uma solução problemática para o desempenho em campo.
Receitas e despesas
A vantagem do Corinthians é que, principalmente em decorrência de sua enorme torcida, o potencial de arrecadação também é grande. Na comparação com o primeiro semestre de 2019, os números de 2020 indicam aumento na receita de R$ 208 milhões para R$ 310 milhões.
Em R$ milhões | jun/19 | jun/20 | Variação |
Televisão | 92 | 96 | +4 |
Marketing e comecial | 42 | 47 | +5 |
Bilheterias e estádio | 30 | 7 | -23 |
Associados | 21 | 16 | -5 |
Atletas | 21 | 142 | +121 |
Outros | 2 | 2 | 0 |
TOTAL | 208 | 310 | +102 |
O principal motivo para o aumento da arrecadação no primeiro semestre foi a venda de Pedrinho para o Benfica. Ele responde quase por toda a receita com transferências de atletas. Em complemento, houve a negociação de André Luís para o Daejeon Hana Citizen.
As bilheterias da Neo Química Arena obviamente sofreram um impacto negativo considerável, uma vez que os campeonatos tinham sido suspensos e não foram recomeçados no primeiro semestre.
Lembrando que o dinheiro da venda de ingressos vai integralmente para o pagamento da dívida do estádio – mesmo com o contrato de naming rights. Bilheterias baixas devem acarretar em novos repasses de dinheiro da conta bancária do clube de futebol para o caixa do estádio.
Um sinal positivo no primeiro semestre foi a redução da despesa, em especial da folha do futebol profissional. O Corinthians tinha gastado R$ 113 milhões com salários, direitos de imagem e encargos trabalhistas no primeiro semestre de 2019. O valor baixou para R$ 92 milhões em 2020.
O clube permanece, no entanto, com um dos maiores gastos com remunerações de jogadores em todo o futebol brasileiro. Muito próximo de São Paulo e Internacional. Muito abaixo do Flamengo. Diante dos resultados obtidos, há claros sinais de ineficiência no uso deste dinheiro.
E uma pequena controvérsia
No caso dos direitos de transmissão expostos na tabela acima, o Corinthians cometeu um erro na contabilização deste primeiro semestre. O clube recebeu pagamentos da Globo pelos direitos do Campeonato Brasileiro e os reconheceu como receita correspondente a este período.
O blog consultou três contadores com experiência em futebol:
- Benny Kessel, funcionário do Banco Central e ex-presidente da Apfut (autoridade pública que fiscaliza as contas dos clubes)
- Carlos Aragaki, sócio-líder da auditoria BDO
- Rodrigo Albuquerque, sócio da auditoria Mazars
Todos afirmam que a maneira correta de registrar a televisão seria como um adiantamento, e não como receita deste período. Eles explicam que o reconhecimento de receitas só pode ocorrer quando existe a contraprestação firmada em contrato – neste caso, o início do Brasileiro.
Quais as consequências práticas desta contabilização incorreta?
- O Corinthians melhorou artificialmente o seu superavit (lucro) no primeiro semestre, que aparece no balancete com R$ 4 milhões positivos. Contabilmente, teria havido um deficit (prejuízo)
- Uma vez que dirigentes adotaram critérios diferentes para a contabilização em balancetes, isto impede a comparação entre receitas e lucros/prejuízos com clubes adversários. Não faça!
A defesa sobre a contabilidade
Após a publicação deste artigo, o Corinthians mandou ao blog o seguinte posicionamento sobre a questão contábil envolvendo as receitas.
“O Corinthians seguiu uma regra contábil básica: a de apropriar por competência as receitas programadas no contato vigente. O Corinthians tem um contrato com a Globo com valores fixos garantidos, a receber em 12 parcelas ao longo do ano pelo Campeonato Brasileiro, já a partir de janeiro, quando o campeonato nem sequer começou.
O que aconteceu neste ano foi que Globo pagou as parcelas integrais de janeiro e fevereiro, fez uma redução nos meses de início da pandemia e depois readequou seu fluxo de caixa para voltar a pagar as parcelas integrais a partir de agosto. Em junho, quando o balanço começou a ser fechado, já ficava claro que haveria Campeonato Brasileiro – a única hipótese contratual de não haver essas receitas seria a não realização do campeonato. Por isso, consideramos como receita contábil as parcelas que competiam aos meses anteriores.
Consideramos que esse registro da receita contratual no balancete não pode ser chamado de antecipação; isso seria ilógico. Além disso, deve-se lembrar que a Globo fez um acordo em que não esticará o fluxo de caixa das parcelas fixas até o fim do Brasileiro, em fevereiro de 2021. Ou seja, todas as parcelas serão quitadas ainda neste ano. Logo, não é possível falar em antecipação de receita, o que caracterizaria, sim, em nossa visão, erro contábil.”
@rodrigocapelo
Ge