Análise: Seleção não encontra encaixe e cria disputa contra o tempo para crescer na Copa América
Tite tem deixado claro, com palavras e ações, seu modelo de jogo para a seleção brasileira na Copa América. O que não está claro é se as peças escolhidas encaixam nos moldes criados nem se elas se encaixam entre si. A qualidade indica que, com tempo, isso deve acontecer. Mas tempo não é aliado na Copa América. As carências expostas na vitória sobre a Bolívia e no empate por 0 a 0 com a Venezuela exigem, no mínimo, que se considere mudanças.
O 4-2-3-1 do Brasil tem:
- Dois zagueiros com qualidade de saída pelo chão e construção, também adentrando o campo de ataque com a bola dominada, especialmente contra adversários muito fechados;
- Dois laterais que se posicionam mais por dentro, juntando-se aos meio-campistas para gerar superioridade numérica no setor, e não chegam tanto à linha de fundo;
- Um volante mais posicional, atento às coberturas defensivas, e outro que comanda a saída de bola e encontra passes que outros não conseguem entre as linhas de marcação do rival;
- Um meio-campista bastante próximo do centroavante, que se movimenta para criar espaços a serem preenchidos e aproveitados, mas ambos partindo de uma região mais central;
- Dois atacantes de lado, um com características de ponta, mais driblador, de idas à linha de fundo, e outro finalizador para também fazer volume na área próximo ao centroavante.
Tite em Brasil x Venezuela — Foto: REUTERS/Luisa Gonzalez
É com base na junção dessas valências que Tite e sua comissão técnica trabalham diariamente. A inflexibilidade desse sistema passa a ser preocupante à medida que as associações não geram frutos tão refinados quanto sugere a teoria. Sem tempo para lapidar suas ideias, talvez Tite tenha de sacrificar algum aspecto, individual ou coletivo, para fazer a Seleção evoluir.
Ele diz, por exemplo, que ao posicionar Arthur mais recuado e permitir que ele faça a saída de bola, está explorando seu jogo dos tempos de Grêmio, e não o atual, do Barcelona, condicionado a receber a bola mais adiantado. É verdade, mas… Naquele Grêmio, os links de Arthur eram completamente diferentes em aspectos individuais.
Ele atuava ao lado de Maicon, muito mais construtor do que Casemiro. O homem da direita era um meio-campista, Ramiro, enquanto na Seleção é um ponta agudo. O “10” tricolor era Luan, um definidor que pisa a área o tempo todo, enquanto Coutinho tem muito mais perfil de armador. No Grêmio, Arthur também teve um centroavante como elemento mais adiantado, de perfil grandalhão, forte, como Barrios e Jael. Muito diferentes de Firmino.
Ninguém joga futebol sozinho. Arthur fez bom jogo diante da Venezuela, encontrou os passes, os companheiros, mas, como de costume, sonegou a chance de concluir seus próprios lances.
Esse não foi o único problema visto na Fonte Nova. O jogo pelos lados não fluiu. A Seleção jamais conseguiu ter mais jogadores do que a marcação venezuelana, fruto talvez de um rigor excessivo no posicionamento de cada um deles.
Fernandinho entrou no lugar de Casemiro contra a Venezuela — Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO
Além de ter insistido pelo meio, com tentativas estéreis diante de uma zaga bem preparada – e da grande atuação de Osorio, número 3. Isso gerou insegurança nas tentativas de um contra um – especialmente de Richarlison – e um excesso de cruzamentos.
Tite mudou seus pontas. Primeiro, viu David Neres crescer quando o colocou na direita. O atacante do Ajax encontrou espaço de flutuação com maior naturalidade. Mas quando Gabriel Jesus entrou pelo lado esquerdo, o Brasil se viu inclinado a jogar só com ele, esquecendo Neres, que acabou substituído por um Everton Cebolinha novamente incisivo.
A estrutura central, com Coutinho e Firmino, permaneceu em campo por 100 minutos – foram longos os acréscimos, graças ao VAR e à pouca vontade da Venezuela de jogar na reta final. Tite disse não pensar em utilizar Neres e Everton juntos, um em cada ponta. Uma pena. Isso poderia dar a Firmino a chance de jogar como 10, ao lado de um centroavante – Jesus ou Richarlison – e, ainda com volume de área, tornar o Brasil mais veloz.
Das mudanças feitas por Tite durante o empate – sem gols, mas bem disputado pelas duas seleções –, a que surtiu melhor efeito foi a troca de Casemiro por Fernandinho. O volante do Real Madrid se destacou no perde-pressiona, ou seja, o ímpeto de roubar a bola logo depois da perda da posse.
Mas Fernandinho deu mais jogo ofensivo, pelo chão, ao encostar nos laterais e se oferecer como possibilidade de triangulação, e pelo alto, onde quase marcou o gol da vitória. Não seria exagerado sugerir que, diante da perda ofensiva de laterais que não vão ao fundo e um volante que não entra na área, a presença de Fernandinho no lugar de Casemiro pode gerar equilíbrio e compensar o menor volume ofensivo.
O fato é que Tite terá de encontrar soluções com o torneio em andamento.
Ge