ACG: Como diagnosticar e tratar uma pancreatite aguda
A pancreatite aguda é causa importante de internação hospitalar. Sua incidência vem aumentando cerca de 2% a 5% ao ano, sendo estimada em 3,4 e 73,4 casos por 100 mil habitantes em todo o mundo. Os avanços terapêuticos reduziram a letalidade da pancreatite aguda, hoje não alteraram a mortalidade geral.
Em março desse ano, foram divulgadas as diretrizes de tratamento da pancreatite aguda da Colégio Americano de Gastroenterologia (ACG), que serão aqui abordadas.
Diagnóstico
Envolve uma combinação de dois dos três fatores:
- Dor abdominal típica (dor epigástrica/quadrante superior esquerdo, irradiada para dorso, tórax ou flancos, em barra, intensa);
- Elevação de amilase ou lípase acima de três vezes o limite superior da normalidade;
- Achados característicos em exames de imagem.
Biomarcadores | Características |
Amilase |
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Lipase |
|
Os exames de imagem (TC ou RM de abdome) não devem ser feitos de rotina na admissão, sendo reservados para casos de dúvida diagnóstica e aquelas sem melhora clínica após 48-72 horas da admissão, a fim de avaliar as complicações.
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Etiologia
A investigação etiológica inicial deve focar nas causas mais comuns:
- Ultrassom de abdome, a fim de avaliar colelitíase.
- História clínica avaliando padrão de consumo de bebidas alcoólicas (consumo pesado de álcool (> 50 g/dia) em etilistas específicos (há mais de cinco anos)
Excluídas as principais causas, deve-se avaliar os triglicerídeos séricos. Em caso de valores acima de 1.000 mg/dL, essa deve ser considerada a etiologia principal.
Neoplasias de pâncreas ou vias biliares devem ser suspeitadas em indivíduos acima de 40 anos com pancreatite idiopática.
Outras causas mais raras devem ser avaliadas, como hipercalcemia e uso de medicamentos (azatioprina, 6-mercaptopurinas, didanosina).
Pacientes com pancreatite aguda idiopática (PAI) devem ser avaliados com reprodução de ultrassonografia abdominal, ressonância magnética e/ou ultrassonografia endoscópica. A ACG ainda sugere considerar a colecistectomia após um segundo episódio de PA sem causa definida, em pacientes aptos.
Abordagem inicial e estratificação de risco
Geralmente, o curso do PA é leve e autolimitado. Porém, 20% dos pacientes desenvolvem uma doença moderadamente grave ou grave, necessitando de hospitalização prolongada.
Em relação à gravidade, a pancreatite aguda por ser:
- Nível: ausência de falência orgânica e complicações locais ou sistêmicas;
- Moderadamente grave: presença de disfunção orgânica transitória (<48 horas) associada ou não à presença de complicações locais (coleções líquidas pancreáticas ou peripancreáticas agudas, coleções necróticas agudas, pseudocisto ou necrose pancreática isolada);
- Sepultura: presença de disfunção orgânica persistente (> 48 horas) podendo envolver um ou vários órgãos.
É importante observar na avaliação inicial sinais de mau prognóstico:
Características Clínicas Associadas a Curso Grave de PA na Abordagem Inicial |
Características do Paciente
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Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (2 ou + critérios)
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Laboratório
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Radiologia
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Na admissão, os pacientes devem ser estratificados em alto e baixo risco, a depender do estado hemodinâmico e da avaliação de parâmetros de gravidade, a fim de definir local de internação em UTI ou enfermaria.
Os pacientes com falência de órgãos ou síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) devem preferencialmente ser internados em leito de terapia intensiva.
Os pacientes admitidos com critérios de baixo risco deverão permanecer sob vigilância de interrupções de gravidade nas primeiras 48 horas após a admissão.
Manejo inicial
Recomenda-se ressuscitação volêmica moderadamente prejudicial aos pacientes com PA, sendo mais importante nas primeiras 24 horas do quadro clínico e, de preferência, com ringer lactato. É necessária cautela em pacientes com comorbidades, como insuficiências cardíacas e/ou doenças renais. O paciente deve ser reavaliado em intervalos frequentes, a fim de verificar parâmetros volêmicos, como sinais encontrados, uréia, hematócrito, dentro de 6 horas da entrega e nas próximas 24 a 48 horas.
- Por que o paciente com pancreatite aguda necessita de ressurreição volêmica?
A pancreatite aguda cursa com lesão endotelial sistêmica acentuada, aumentando a permeabilidade vascular, levando à perda de fluidos para o terceiro espaço, culminando em redução do volume intravascular. Além disso, a hipovolemia ocorre devido a vômitos, redução da ingestão oral, aumento das perdas respiratórias e diaforese. A hidratação parenteral permite melhorar o volume circulante eficaz, prevenindo a morte celular pancreática e a liberação contínua de enzimas pancreáticas, responsáveis pela ativação de cascatas inflamatórias.
- Qual a melhor solução cristaloide para ressuscitação volêmica?
Ringer lactato. Essa solução fornece cálcio, que faz ligação iônica a ácidos graxos não esterificados, associados à gravidade. Além disso, o lactato reduz a lesão pancreática na PA, ao reduzir a inflamação.
CPRE e pancreatite aguda
Papel da CPRE na pancreatite aguda
- Ausência de icterícia ou colangite: recomenda-se rastreio de coledocolitíase com colangio-RM ou ultrassom endoscópico. Deve-se evitar CPRE diagnóstico nesses casos.
- Na presença de colangite ou colestase progressiva, recomenda-se CPRE, preferencialmente nas primeiras 24 a 72 horas.
Prevenção de pancreatite aguda pós CPRE
Recomenda-se indometacina retal e colocação de stent no ducto pancreático para prevenir pancreatite pós-CPRE em indivíduos de alto risco.
Antibioticoterapia
Não há recomendação de antibióticoprofilaxia na PA. Contudo, as complicações infecciosas são uma das principais causas de morbimortalidade em pacientes com PA, incluindo colangite, infecção do trato urinário, pseudocistos, coleções fluidas e necrose pancreática infectadas. Na suspeita de infecção, recomenda-se a administração de antibióticos empiricamente até o rastreio infeccioso adequado.
Em relação à necrose pancreática, não se recomenda PAAF na suspeita de necrose infectada. Na necrose infectada, recomenda-se antibioticoterapia com antibióticos que penetram no tecido pancreático (carbapenêmicos, por exemplo). Sempre que possível, deve-se retardar a abordagem cirúrgica, endoscópica e radiológica além de quatro semanas, a fim de que a ocorrência inflamatória se torne mais organizada. Neste momento, reavaliamos a necessidade de drenagem e o melhor método (endoscópico, radiológico e/ou cirúrgico). Todavia, na ausência de resposta às antibióticos ou piora clínica deve-se realizar necrosectomia/desbridamento precoce.
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Nutrição
Nível PA:
- Recomenda-se alimentação oral precoce (24 a 48 horas), conforme tolerado pelo paciente;
- Sugira-se iniciar uma dieta sólida com baixo teor de gordura.
PA moderadamente grave ou grave:
- Recomenda-se nutrição enteral precoce, a fim de prevenir complicações infecciosas;
- Prefira via nasogástrica em vez de nasojejunal para administração de alimentação enteral, visto segurança e eficácia semelhantes;
- Deve-se evitar a nutrição parenteral, a menos que a via enteral não seja tolerada ou não seja suficiente para suprir as necessidades calóricas.
Cirurgia
- Recomenda-se colecistectomia antes da alta em pacientes com PA biliar;
- Nos pacientes atendidos com necessidade de abordagem de desbridamento e necrosectomia, preferem métodos minimamente invasivos como radiológicos e endoscópicos à cirurgia aberta. Sempre que possível, esses procedimentos devem ser adiados após 4 semanas, a fim de maturação da parede e organização da coleção necrótica.
- Pacientes com necrose infectada e instabilidade hemodinâmica necessitam de desbridamento urgente de urgência.
Mensagem prática
A pancreatite aguda é causa frequente de internação hospitalar. Seu reconhecimento precoce e manejo inicial com estratificação de risco e expansão volêmica reduziu a morbimortalidade. É importante identificar a causa da AP e, em caso biliar, indicar a colecistectomia precoce para evitar novos eventos. O uso de antibióticos deve ser reservado a casos com suspeita de infecção. A nutrição é etapa importante do tratamento, sempre que possível preferindo via oral e enteral.
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Autor
Graduada em Medicina pela Universidade Federal Fluminense ⦁ Residência médica em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF) ⦁ Residente em Gastroenterologia no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (UFES) ⦁ Instagram: @dra.fernandaazevedo
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