Abraçado pelo Maracanã, Filipe Luís se vê técnico do Flamengo: “Vou realizar e conquistar”
– Aqui é onde o treinador dá coletiva?
Com sorriso no rosto, Filipe Luís fez a pergunta ao entrar no auditório do Maracanã, poucos minutos antes de o relógio marcar 19h de domingo. Ali começava a transição do jogador para o treinador. Mas dediquemos os primeiros parágrafos para falar da despedida do atleta diante da torcida do Flamengo.
Simeone como espelho maior e referências a JJ, Tite e Dorival
O desejo de virar treinador nasceu no coração de Filipe a partir de uma revolução promovida pelo argentino Diego Simeone, ex-volante que o comandou por oito anos no Atlético de Madrid. É isso que o atleta espera de si na próxima etapa da carreira: ser transformador.
– O Simeone, e isso é muito legal, foi a principal pessoa que me fez ter vontade de ser treinador. Ele transformou a minha vida, esse cara mudou pensamento e minha mentalidade. Ele me transformou em campeão. Se ele foi capaz de fazer isso comigo, pensei assim: “Preciso passar isso para frente, preciso fazer isso com alguém”. Ele foi o principal.
– Tive muitos treinadores que me ajudaram. O cara que mais me marcou depois (do Simeone) foi o Jorge Jesus. Cada um tem coisas boas, Jorge Jesus tinha coisas ruins também. Tite me marcou também, reinventou no futebol, me colocou para jogar por dentro e me deu mais oito anos de carreira. Dorival também me deu um ano maravilhoso e também muitas coisas boas. Tenho um pouco de cada um. E também o que não fazer.
Treinador em campo
A preocupação com o lado humano, algo que faltou ao Flamengo durante a gestão de Sampaoli, será um dos pilares do técnico Filipe Luís nos próximos anos. Ao ser perguntado como desenvolveu a tão elogiada leitura de jogo, que o fez ser visto como um “treinador dentro de campo”, o ídolo narrou uma história vivida com o turco Arda Turan, seu companheiro no Atlético de Madrid.
– Agora vou deixar o chapeuzinho da humildade de lado e vou falar de mim. A minha maior virtude como jogador de futebol é potencializar os jogadores que estão do meu lado. Não é o passe, não é o domínio. Eu melhoro os jogadores que estão do meu lado. Se eu tivesse que fazer o que fiz no Atlético de Madrid, eu vou fazer. Eu jogava com o Arda Turan. Ele de ponta-esquerda e eu de lateral.
– Falei: “preciso conectar com esse cara”. Pensei: o que vou fazer? Ele gostava muito de religião, era mulçumano. Eu fui para a mesquita com ele: “Me fala como essa é religião, me dá o Alcorão”. Fui para a Turquia e fiz uma amizade linda com ele. Se eu não me dou bem com o cara que está do meu lado, eu nunca vou jogar bem com ele. Eu me preocupo com ele, tento saber da vida dele e tento entender o que ele pensa dentro de campo.
Mais uma vez sem as sandálias da humildade, Filipe, quando negociava com o Flamengo, valorizou-se diante de Bruno Spindel, mas garantiu retorno. Condicionou, porém, o rendimento a jogadores com quem pudesse dialogar. Deu-se bem até com Pablo Marí, de quem esperava pouco.
– “Bruno, eu sou caro, mas eu sou bom, eu sei o que estou fazendo e vou render”. Eu preciso de gente do meu lado para me potencializar. Ele falou que ia trazer esse, esse e esse. Do meu lado quando cheguei aqui eu tinha Arrascaeta. Uma viagem de avião para a Bahia, jogo emblemático (risos). Fui na ida e na volta do lado dele, conversei com ele, tomei chimarrão com ele.
– Outro do meu lado tinha Cuéllar e falei: “não vou ter dificuldade”. Pablo Marí? Vou ter dificuldade. E não tive. Ele queria aprender o tempo todo. Estudo o jogador que vou jogar contra, estudo quem está do meu lado, eu estudo meus adversários, eu vejo meus erros e me vejo jogando. Futebol é prioridade.
O sucessor
Com planos concretos para se tornar treinador e a possibilidade real de seguir no Flamengo em 2024, Filipe enche-se de esperança ao falar de Ayrton Lucas. Trata-se de um jogador que gostaria de influenciar em campo e no qual coloca expectativa de se tornar um ídolo tão grande quanto ele é.
– Vejo o Ayrton jogar hoje e peguei um vídeo meu dos 27 e 28 anos. Eu cometi os mesmos erros. Não tem como você comparar a inteligência de um jogador de 38 anos para um de 25 ou 24. É como eu falar de matemática com o meu filho de 10 anos. São 13 anos a mais de profissional do que o Ayrton, e ele vai se desenvolver. Eu sempre gostaria de contratá-lo aonde eu estivesse. Para desenvolvê-lo, trabalhar o mental dele e a parte de tomada de decisão. Eu dedico muitas horas ao que eu faço.
“Querido, parte final”
Encerrada a longa coletiva, Filipe foi aplaudido pelos jornalistas presentes ao auditório do Maracanã. Fez uma foto com praticamente todos os presentes na sala e teve paciência para gravar inúmeros vídeos para amigos, esposa, papagaio e afins.
De futebol rebuscado e inteligência rara, mas de uma simplicidade que faz ser compreendida por todos, Filipe Luís viveu e ofereceu uma tarde/noite inesquecível para os amantes do futebol. Sejam eles rubro-negros ou não.
Um adeus de campeão de um craque gentil. E querido. Muito querido. O mais querido do dia 3 de dezembro de 2023