A revolução Pochettino: como pensa o técnico que transformou o Tottenham em potência
Para muita gente o futebol é feito de títulos. Conquistas que revelam a grandeza ou caráter de um clube ou jogador. Mauricio Pochettino pensa diferente. A busca da primeira taça como treinador é embalada por grandes feitos na história do Tottenham. O principal capítulo dessa jornada começa nesta terça-feira, às 16h (de Brasília), em Londres, na primeira semifinal da Liga dos Campeões – o GloboEsporte.com transmite em Tempo Real.
Títulos parecem ser a única peça faltante no clube londrino. Seu trabalho é notável por quebrar jejuns e mudar o clube de patamar na Premier League. Em cinco anos, o time foi três vezes 3º colocado na Premier League, o que não acontecia desde 1990. Em 2017 foi vice-campeão, algo alcançado pela última vez só em 1963. O Tottenham passou a brigar na parte de cima e hoje se mantém consecutivamente na Champions League desde 2016.
Regularidade para ser a chave para entender o técnico, que aprendeu desde cedo a importância da constância para se manter no topo.
Pochettino completa cinco anos no Tottenham no próximo dia 27 — Foto: Leonardo Miranda
Como zagueiro de times médios na Argentina e Espanha, Pochettino sempre teve que se superar contra times melhores. Enfrentou adversários do calibre de Figo e Raúl. U”ma vez tive que enfrentar Ronaldo, então o melhor jogador do mundo”, conta no livro “Brave New World”. “Eu tinha que usar tudo o que estava ao meu dispor, tudo o que aprendi na minha vida. Me preparei mentalmente. Não precisei de um técnico me dizendo isso, são coisas essenciais da vida”.
No primeira experiência como técnico, no Espanyol, teve que ser resiliente. “Diziam que eu era louco por assumir um time com 15 pontos em janeiro”, cita. Após um fantástico 2º turno, com direito a vitória no Barcelona de Pep Guardiola em pleno Camp Nou, ele cumpriu a missão de manter o time na primeira divisão com o fantasma da inesperada morte de Dani Jarque, capitão do time, em agosto de 2009.
Pochettino nos tempos de jogador, na Copa do Mundo de 2002 — Foto: Getty Images
Na chegada à Inglaterra, em 2013, outro desafio: o inglês. “Eu não queria ir para o Southampton porque não entendia uma palavra de inglês”, explica. Após a insistência da mulher e do melhor amigo e assistente, Jesús Perez, o técnico sofria nas coletivas enquanto a equipe fechou a 2º temporada com um honroso 8º lugar na Premier.
Estilo ofensivo e futebol pós-moderno no Tottenham
Pochettino chegou a um Tottenham traumatizado. O clube formava bons jogadores que se recusavam a ficar pela falta de títulos. Em contrapartida, investia alto e flopava, como as contratações de Lamela, Soldado e Paulinho. “Berbatov, Modric e Bale saíram porque queriam ganhar. O Tottenham pensava que o modelo econômico está na frente do esportivo. Eles precisavam remover obstáculos para que o investimento desse retorno, e Pochettino era o homem certo para isso”, explica Juande Ramos, treinador dos Spurs na conquista da Carling Cup, em 2008.
O chairman Daniel Levy sabia que era preciso equilibrar investimentos e melhorar o desempenho esportivo. A escolha cautelosa de Pochettino foi pensada pela consistência dos trabalhos anteriores e o apreço por jovens. Em três anos no Espanyol, o treinador colocou vinte jogadores das base do clube no time principal. No Southampton, Lallana, Luke Shaw, Lovren e Schneiderlin passaram por suas mãos antes de serem vendidos a preços nada módicos.
Pochettino foi decisivo para a renovação de Kane — Foto: Getty Images
O início não foi fácil. Os Spurs terminaram fecharam a Premier League em quinto no primeiro ano de Pochettino, que quase foi demitido.
“Lembro de ter uma conversa sobre o estilo do time. O futebol era diferente daquele time agressivo e rápido do Southampton. Eu estava preocupado. Mauricio me tranquilizou e disse que levaria tempo para deixar os jogadores aptos a seu jogo e seu comando. Ele chega aqui às 7h da manhã e sai 7h da noite. É alguém totalmente dedicado”, explica o chairman do clube.
Dele Alli, Dier e Trippier chegaram em 2014, Alderweireld e Son em 2015. Em 2017, eles foram estrelas do time vice-campeão da Premier League com um estilo de futebol extremamente vistoso. Toques rápidos e chegadas em bloco no ataque se uniam a um forte sistema defensivo, algo bem diferente do Tottenham de Redknapp, afeito às duas linhas de quatro e bolas áreas, como o manual do velho futebol inglês manda.
O domínio do elenco é tão grande que os Spurs possuem vários jeitos de jogar. 5-3-2, 4-2-3-1 e 4-3-1-2 são as plataformas táticas mais usadas, com preferência para o losango no meio-campo. Uma forma de acomodar a chegada de Lucas, que tornou o time ainda mais rápido e deu espaço para Eriksen pensar o jogo junto a Dele Alli. Uma forma de deixar cinco jogadores rápidos para jogar perto do ponto mais lento do adversário, a zaga.
Tottenham contra o City no segundo jogo — Foto: Leonardo Miranda
Sem a bola, é talvez o time que melhor executa a marcação pressão no adversário. Não há medo, nem falta de coragem. O time realmente parte para cima e busca roubar a bola lá na frente. Uma evolução do futebol reativo mostrado na última Copa e que rende jogos eletrizantes, como o 4 a 3 que carimbou a semi.
Com Pochettino, o Tottenham fez 3 a 0 no United, em Old Trafford. Foi a pior derrota de José Mourinho como treinador em um jogo em casa.
Por falar em encerrar traumas, Pochettino transformou o time numa máquina de triturar o Arsenal. Fazia 22 anos que os Gunners comemoravam efusivamente o “St Totteringham’s day”, o dia em que o “irmão judeu” de Londres não conseguiria mais ultrapassar o Arsenal na tabela. A escrita foi quebrada em 2017 e 2018 e tem tudo para continuar em 2019.
Mentor e puxão de orelha: Marcelo Bielsa é grande referência
Sempre que perguntados, os jogadores do Tottenham são uníssonos ao ressaltar a admiração por Pochettino. Não há quem não diga que “melhorou” sob o comando do argentino, que transmite confiança e sabe cobrar nas horas certas. “Toda manhã ele aperta a mão de todo mundo e te olha nos olhos para ver como você está. Em poucos segundos ele te passa muita confiança”, explica o lateral Danny Rose.
Focar tanto na melhora de valores humanos é um valor aprendido com Marcelo Bielsa, a quem Pochettino já declarou admirar. De fato, eles se trombaram em momentos importantes da vida do técnico, como a final da Libertadores pelo Newell’s em 1992, o pênalti em Owen que eliminou a Argentina da Copa de 1998 e uma breve passagem no Espanyol, em 1998.
Pochettino e Bielsa em 1998 — Foto: Getty Images
“Bielsa dava trabalhos táticos sem parar, e uma vez todos estávamos cansados. Num treino de tarde, chamei ele de “Marcelo” e perguntei quanto tempo faltava. Depois ele me chamou em sua sala, e furioso, disse que não esperava aquilo de mim. Eu voltei para casa chorando. Aprendi a nunca me colocar na frente do que me fez jogar futebol, a fome de vencer”, conta Pochettino.
Um dos pilares da filosofia de Bielsa é misturar a tática do jogo com valores do cotidiano
Sair com a bola? É prova de coragem para tomar a iniciativa de sua própria vida. Atacar times tecnicamente melhores? É sinal de respeito ao próximo. Afinal, atacar é entender que o outro lado tem valor e pode fazer mal. No jogo do Tottenham, diversos conceitos se misturam como a forma com a qual o técnico leva a vida.
Pochettino leva as lições para onde foi. “Aprendi a nunca separar a forma como vejo a vida do futebol. O jogo é sobre criar vantagens com o que você tem, desequilibrar o oponente e usar estratégias da sua inteligência e esperteza para vencer o adversário”, explica. É assim que “abre os olhos” dos comandados, algo que permitiu ao clube simplesmente não contratar ninguém na janela de transferência passada – fato inédito na história da Premier League.
Pochettino comemora vitória épica sobre o City — Foto: Leonardo Miranda
O primeiro dos dois duelos que decidem quem vai para a final da Liga dos Campeões acontece no novo estádio do Tottenham, o mais moderno de Londres. Uma cereja do bolo para Mauricio Pochettino, cuja revolução no Tottenham vai além de uma ou duas taças. É mais sustentável e durável. Faz o clube ter sempre uma temporada melhor que a outra.
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