Com apenas quatro vendas, contrato suspeito do Cruzeiro renderia a empresário valor 2,5 vezes maior que o emprestado
O contrato investigado por suspeita de “rachadinha”, que beneficiaria ex-dirigentes do Cruzeiro, segundo suspeita da Polícia Civil de Minas Gerais, poderia ter rendido, somente com quatro dos 10 jogadores incluídos, mais que o dobro do valor emprestado – R$ 2 milhões – no primeiro acordo com o empresário Cristiano Richard dos Santos Machado.
O levantamento da Globo mostra que, se o contrato não fosse cancelado – o que ocorreu somente após a matéria do Fantástico, em 26 de maio do ano passado -, o valor somado e referente aos percentuais a que o empresário teria direito das vendas do goleiro Gabriel Brazão, do lateral Vitinho, do zagueiro Murilo e do atacante Raniel chegaria aos R$ 5,15 milhões, valor 2,5 vezes maior do que os R$ 2 milhões emprestados na primeira assinatura.
Entrevista coletiva do Cruzeiro para comentar as denúncias de irregularidades; Wagner Pires de Sá e Itair Machado — Foto: Frederico Ribeiro
Entretanto, após o cancelamento do segundo contrato assinado, o clube retirou os percentuais que iria ceder e fixou acordo de pagamento da dívida, o que ainda não foi resolvido até o momento, já que o empresário cobra, na Justiça, o pagamento do valor, com a dívida pleiteada chegando a mais de R$ 1,5 milhão, incluindo multas do contrato e juros.
Por Vitinho, o Cruzeiro recebeu 2,2 milhões de euros, como consta no contrato de venda. Análise da conta bancária cruzeirense mostra que entraram R$ 8.806.215 (2,09 milhões de euros na época) líquidos em 25 de julho de 2018. Os 20% do empresário seriam equivalentes a R$ 1.761.243 da venda de Vitinho.
Já Gabriel Brazão foi vendido por 2,3 milhões de euros líquidos, o que equivaleram a R$ 10.062.500 na época. O valor caiu na conta cruzeirense em 26 de março de 2019, apesar de o contrato ter sido firmado em 31 de janeiro. Pelos 20%, Cristiano Richard receberia R$ 2.012.500.
Percentuais negociados pelo Cruzeiro em contrato — Foto: Reprodução
As outras duas negociações foram efetuadas no meio do ano passado. Por Murilo, o valor registrado da negociação foi de 2,3 milhões de euros, em 19 de junho. A cotação, na época, era de R$ 4,32 por euro. O empresário teria direito a 7% dos direitos econômicos, o que renderia R$ 695,5 mil.
Já Raniel foi vendido ao São Paulo em transferência concluída em 11 de junho. O valor da venda registrado foi de R$ 13,7 milhões. Os 5% a que Cristiano Richard teria direito seriam equivalentes a R$ 685 mil.
Quatro permanecem
Dos 10 jogadores incluídos no termo de quitação de mútuo, os quatro citados acima foram os únicos vendidos. David deixou o Cruzeiro após uma liminar obtida na Justiça do Trabalho e acertou com o Fortaleza. O jovem Júlio César Pereira, de 18 anos, deixou o clube para acertar com o RB Brasil. Os demais permanecem: Cacá, Marco Antônio e o atacante do sub-20, Alejandro.
Mas o caso que mais chama atenção é o caso de Estevão Wilian, que hoje tem 13 anos. Foram incluídos, no contrato, 20% dos direitos do garoto, que sequer tem direitos econômicos por ser menor de idade. No caso de Estevão, ainda havia o repasse como ajuda de custo e manutenção do atleta, por meio de um conselheiro do clube. O GloboEsporte.com mostrou também esta história.
Último jogador a ser negociado, presente no contrato, foi o atacante Raniel — Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro
O Cruzeiro não poderia ter cedido percentuais dos jogadores ao empresário, porque a prática foi proibida pela Fifa. No caso de Estevão, ainda havia o fato dele ser menor de idade. Potenciais jogadores só podem assinar seus primeiros contratos profissionais a partir dos 16 anos. Antes disso, crianças e adolescentes podem, no máximo, ter contratos de formação, nos quais não há direitos federativos e econômicos.
A suspeita da Polícia de uma rachadinha tem como base o segundo contrato firmado entre as partes em 3 de abril de 2018, um mês depois do primeiro acordo, em que Cruzeiro afirma não ter condições de pagar o empresário (mesmo ainda com prazo até o fim de 2018 para efetuar o pagamento) e cede os percentuais.
O que disseram os ex-dirigentes?
As investigações recaem sobre o ex-vice de futebol Itair Machado e o ex-diretor geral Sérgio Nonato. O ex-presidente Wagner Pires de Sá não foi citado na suspeita. Ambos os citados se posicionaram por meio de nota enviada. Itair disse que há entrada e saída do dinheiro e que, ao fim da investigação, será provado que é uma “falácia para denegrir a imagem” dele.
– Sobre o empréstimo ao Cruzeiro feito pela pessoa do senhor Cristiano Richard no valor de 2 milhões de reais, a polícia tem a entrada do dinheiro na conta do clube e tem a saída do dinheiro. Será comprovado que é mais uma falácia para denegrir minha imagem. Na hora certa, vou dar os devidos detalhes de tudo, e também solicitar que a Polícia Civil faça uma perícia na vida financeira dos dois personagens principais que realmente ficaram milionários através do Cruzeiro. Sempre lutei para manter o Cruzeiro grande, ganhei 3 títulos em um ano e meio, até quando me deixaram trabalhar em paz. Vejo muitos dos assuntos sendo questionados que se tratam da esfera esportiva e estatutária, e não criminal como também mencionado pelo MP em suas redes oficiais.
Já Sérgio Nonato disse que nunca obteve benefício financeiro com contratos realizados enquanto esteva no Cruzeiro. Ele afirmou que assinar como testemunha nos contratos “foi toda a extensão do seu ato”. O ex-dirigente cruzeirense disse que Cristiano Richard dos Santos Machado é uma “pessoa conhecida” e “do seu relacionamento”.
Ge