Briga no vestiário, carta pesada e cobrança em Dudu: Cuca conta bastidores de título no Palmeiras
Cinco dias depois da eliminação nos pênaltis para o Santos, na semifinal do Campeonato Paulista de 2016, Cuca recebeu a reportagem do GloboEsporte.com na Academia de Futebol do Palmeiras para uma entrevista. Para, entre outros pontos, reafirmar o que havia dito na Vila Belmiro.
– Foi lá no CT, eu tava com uma blusa de frio (risos), uma jaqueta. Eu me lembro bem – disse o treinador, em contato por telefone, nesta semana, quatro anos depois daquela conversa em 29 de abril, que seria publicada em 2 de maio.
No dia 24, ainda no vestiário do estádio rival, enquanto a torcida santista comemorava a vaga na final, ele tinha afirmado aos jornalistas que o time seria campeão brasileiro. No centro de treinamento palmeirense, não voltou atrás na promessa. Ou premonição. Veja no vídeo acima.
– Eu ratifiquei o sentimento que eu tinha, de que seria campeão brasileiro com o Palmeiras. Eu tinha esse sentimento muito forte dentro de mim. Na verdade, não precisava ter exposto, porque peguei uma bronca, uma responsabilidade muito grande. Só eu sei o que eu passei. Mas, graças a Deus, deu certo.
Funcionou, mas deu medo
Sim, deu certo. Depois de duas semanas de treinos em Atibaia, o Palmeiras largou no Brasileirão com uma goleada por 4 a 0 sobre o Athletico de Paulo Autuori e, mesmo com uma derrapada no fim do primeiro turno e uma perseguição constante de Flamengo e Santos, terminou a campanha em primeiro lugar. Mas a confiança e o carinho da torcida não vieram tão cedo.
– No começo, eu recebi uma carta de um torcedor. Puta, o cara queria me matar, cara. Perguntando quem eu era para fazer aquilo, dizer que eu ia ser campeão, estando com o time assim. “Um treinador como você, quem você pensa que é para mexer com o Palmeiras?”. Foi muito difícil, essas coisas pesaram muito para mim, sabe? Eu devia ter guardado aquela carta – conta Cuca.
– Não era um bolo de cartas, vinham poucas, mas essa veio que… Porra, chegava a dar medo. Nossa Senhora. Eu imaginei: “O cara tá bravo, que merda que eu fiz, hein?”. Não sei quem é (risos), mas hoje eu me retrato à torcida. Eu entendo hoje o que ele queria dizer, que eu não deveria ter feito aquilo, porque não ia poder cumprir. Mas nós cumprimos.
Fernando Prass e Cuca carregam a taça de campeão brasileiro de 2016 — Foto: Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação
Nesta entrevista ao GloboEsporte.com, Cuca revela até que teve um “arranca-rabo” com o atacante Rafael nos vestiários e conta detalhes da permanência de Gabriel Jesus naquele momento em meio às negociações com o Manchester City. Leia abaixo:
Faz quatro anos que você reafirmou, num vídeo gravado para nós, que o Palmeiras seria o campeão brasileiro naquele ano. Às vésperas da data que seria o início do Brasileirão, queríamos saber se você se lembra desse momento.
– Foi lá no CT, eu tava com uma blusa de frio (risos), uma jaqueta. Eu me lembro bem. Eu ratifiquei o sentimento que eu tinha, de que seria campeão brasileiro aqui com o Palmeiras. Eu tinha esse sentimento muito forte dentro de mim. Na verdade, não precisava ter exposto, porque peguei uma bronca, uma responsabilidade muito grande. Só eu sei o que eu passei. Mas, graças a Deus, deu certo. É raro quando você faz uma promessa tão difícil poder cumprir. Eu me sinto muito gratificado em poder ter feito essa promessa lá.
Como foi essa bronca, essa responsabilidade? E por que você sentia que o Palmeiras poderia de fato ser campeão?
– A bronca foi comigo mesmo, porque eu chamei uma responsabilidade que tinha mais de 20 anos que não vinha. Eu falei que nós seríamos campeões, e nós não estávamos com o time ajustado. Nós estávamos com perigo de não classificar no Paulista. Era muito perigoso o que eu fiz. Mas eu tinha que chamar para mim a responsabilidade naquele momento, tirar o peso dos jogadores.
– A ideia maior foi essa, mas eu tinha confiança no trabalho. Eu estava muito energizado, muito determinado. Aí eu pus toda a tabela do Brasileiro para os jogadores, discutimos ela semanalmente, os caras interagiam. Criamos uma harmonia grande, ao final conseguirmos ser campeões. Mas não foi fácil, não.
A primeira vez que você fala em ser campeão brasileiro é logo depois do jogo contra o Santos, na Vila Belmiro, quando o Palmeiras tinha acabado de ser eliminado. A eliminação foi boa para ter aquelas duas semanas de treinamento e encaixar o jogo que você pensava?
– Não tenho dúvida de que se a gente segue no Campeonato Paulista e vai para a final, a gente não ganhava o Brasileiro. No vestiário da Vila Belmiro, quando fomos eliminados nos pênaltis para o Santos, o Alexandre Mattos estava muito bravo. Eu falei: “Alexandre, tá bom demais, nós saímos nos pênaltis e agora temos duas semanas para fazer as contratações que temos que fazer e treinar o time”.
– A gente ficou as duas semanas em Atibaia, contratamos os jogadores que a gente precisava, trouxemos pontualmente Mina, Róger Guedes e Tchê Tchê, e demos uma arrancada de 4 a 0 na estreia. Então, mudou tudo a partir daquele jogo. Saímos de um 0 a 2 para um 2 a 2 e fomos eliminados nos pênaltis, e tivemos duas semanas para organizar e treinar o time. Isso foi fundamental.
Tchê Tchê e Moisés foram dois pilares no Palmeiras campeão brasileiro de 2016 — Foto: Cesar Greco/Ag. Palmeiras
Esses três reforços mudaram a cara do Palmeiras, não é?
– Foi um em cada setor. Um meio-campo, um atacante e um defensor. É difícil falar qual dos três foi melhor, porque todos tiveram contribuição muito grande. O Tchê Tchê teve uma contribuição enorme, o Róger Guedes teve uma contribuição enorme. O Mina foi maravilhoso ao lado do Vitor Hugo. Tivemos depois, no resultado final, o melhor ataque, a melhor defesa.
O Moisés também estava voltando de lesão no início do Campeonato Brasileiro e foi uma peça bem importante daquele time.
– Isso, foi um achado. Quando eu jogava em casa, contra adversários mais fechados, eu trabalhava com Tchê Tchê, Moisés e Cleiton Xavier. Um meio-campo muito versátil, leve, técnico. O Moisés fazia esse papel da técnica com a força. Quando eu jogava fora, dava uma precavida um pouco maior, principalmente nos jogos mais difíceis, pondo o Thiago Santos e segurando o Cleiton Xavier como opção.
No final do primeiro turno daquela campanha, vocês perdem dois jogadores para a seleção brasileira olímpica, o Gabriel Jesus e o Fernando Prass. Depois, o Fernando Prass por mais tempo por lesão. Ali aquela responsabilidade de ser campeão aumentou ainda mais?
– Aumentou, aumentou. Porque o Gabriel Jesus e o Fernando Prass fizeram muita falta num momento ruim da competição. Foram três partidas a fio que não foram boas. Aí vem aquela dúvida, “pô, será que cansou, que não vai ter fôlego?”. O Gabriel fazia muita falta na frente, o Prass. A gente pôs o Vagner.
– Eu me lembro que na ocasião a gente estava atrás de outro goleiro. Do Audax, o Felipe. A gente estava em busca dele, e de repente apareceu a oportunidade para o Jailson, com 35 anos. Ele nunca tinha feito uma partida sequer na primeira divisão, e apareceu essa oportunidade. É coisa de Deus, estava escrito. O que o Jailson foi importante naquele campeonato é uma coisa maravilhosa. O Gabriel Jesus voltou, a gente pôde ter de novo o time titular e ter uma arrancada de novo.
No jogo contra o Internacional, em Porto Alegre, o Dudu começou no banco de reservas. Depois daquilo, ele virou capitão do time e começou a ser mais decisivo na parte final. Como foi?
– Eu conhecia o Dudu. O Dudu começou comigo no Cruzeiro em 2010, eu sabia que tinha que dar uma mexida com ele. Acabei deixando ele fora, acabei cobrando ele num clássico contra o São Paulo. Ele veio na minha sala, se emocionou e disse: “Um dia, você vai me chamar aqui para me elogiar”. Eu falei: “Tomara”.
– Naquele jogo, eu o deixei no banco, o Erik jogou, fez o gol da vitória. Eu precisava do Dudu, só que precisava dele com tudo, igual ele voltou. Quando ele voltou, não foi mais um jogador apenas, foi o líder, um comandante, um capitão do Palmeiras. Exerceu a capitania, outros também exerceram, mesmo sem a faixa. Mas ele foi muito importante. Para ele, foi tão importante quanto para mim, porque ele passou a ter outra postura, totalmente diferente, e ele leva essa postura até hoje.
O Dudu já disse que nessa conversa você falou que ele precisaria ser exemplo aos mais jovens, como Gabriel Jesus e Róger Guedes. Você se lembra de detalhes dessa conversa, quatro anos depois?
– Lembro. Foi mais ou menos por aí. O Dudu eu tenho como um filho, sabe? É um guri que gosto muito, muito mesmo. É um cara que por você ele dá a vida. Eu conversei com ele como, com quase 60 anos, ele um menino, como um pai falaria com um filho. É um sentimento que eu tenho por ele.
Dudu ganhou de Cuca a braçadeira de capitão durante aquele ano — Foto: Cesar Greco/Ag Palmeiras/Divulgação
Durante a Olimpíada, teve a negociação do Gabriel Jesus com o Manchester City. Você temeu que ele pudesse sair na metade do ano, não foi?
– Eu temi, temi. Eles queriam naquele momento, mas o Paulo Nobre (então presidente do Palmeiras) e o Alexandre (Mattos, então diretor de futebol) foram muito duros. Eles estavam determinados a ganhar também. Falaram: “Vai, mas só vai depois do campeonato”. E ele foi fundamental.
Antes disso, o Guardiola chegou a ligar para o Gabriel Jesus, que aí quis ter uma conversa contigo no gramado, depois de um treino. Como foi aquela conversa?
– O Gabriel tinha mais do que uma situação, não me lembro se era o Bayern, o Barcelona, quem era. Ele perguntou a minha opinião. Eu falei: “Quem foi o treinador que ligou para você?”. Ele falou: “Foi o Guardiola”. Eu falei: “Então, esse é o lugar que você tem que ir, porque é o treinador que quer, não é só o clube”. Ele agradeceu pela experiência que a gente tem, de já ter passado por um monte de lugar, e seguiu o conselho, que acho que foi muito bom.
Na reta final da campanha, a vitória sobre o Botafogo deixou bem adiantada a conquista, e a sua entrevista coletiva depois do jogo foi quase um desabafo.
– Tiveram outras paradas também. Tivemos um jogo em casa com o Flamengo, que empatamos no final, com o Gabriel Jesus, que era a decisão do campeonato. Se o Flamengo nos vence ali, como merecia até, pelo que jogou, nos passaria na competição, e seria difícil a gente retomar.
– Passado esse jogo, nós fomos jogar na Arena Corinthians, o Flamengo jogava com o Figueirense. Se a gente perde para o Corinthians no sábado, e o Flamengo ganha no domingo, ele nos passa. E também seria difícil retomar. Acho que esses dois jogos foram decisivos, com cara de final. Flamengo, em casa, e 2 a 0 na Arena Corinthians, em que fizemos um jogo precioso. Ali a gente acreditou que seria campeão, porque a dificuldade era muito grande.
Teve um momento também, no meio da campanha, em que vocês fixaram nos armários dos jogadores um papel sulfite com uma mensagem para acreditarem que seriam campeões. De quem foi essa ideia?
– Foi ideia do Eudes (Pedro, então auxiliar técnico). O Eudes gosta muito disso também, ele pôs esses dizeres nos armários de cada um para a gente ir acreditando jogo a jogo, que cada jogo dali em diante era um final.
Recado motivacional no vestiário do elenco do Palmeiras, em 2016 — Foto: GloboEsporte.com
E quando foi que definitivamente saiu das costas o peso da pressão? A certeza do título, o “ufa”, veio antes mesmo de confirmar o título?
– Foi no jogo contra o Botafogo. Era um jogo que você tem que vencer para manter quatro, cinco pontos de vantagem. Quando faltavam três rodadas, que a gente tinha essa margem, aí deu uma confiança muito grande.
O que significou ter sido campeão por um clube pelo qual você torcia na infância?
– Meu pai era corintiano. Eu virei palmeirense por causa do meu pai, né? Quando jovem, quando criança. Porque meu pai era muito corintiano, então a gente não aguentava mais ele. Aí eu e outro irmão viramos palmeirenses, porque a gente tinha um time aqui em Curitiba, um time em São Paulo, um time no Rio de Janeiro. A gente torcia assim. Mas, depois que vira profissional, esse “torcer” praticamente se dissolve, você conhece tantos clubes que começa a pegar carinho por diversos clubes.
– Poder ter sido campeão no Palmeiras, juro, não foi para mim, foi por ter jogado lá, ter passado no tempo de 16, 17 anos sem ganhar. Depois, ter conseguido esse título nosso em 2016. Esse título é muito mais uma doação que a gente faz para o torcedor, ele que sim é a razão de tudo, do que propriamente para nós. Para a gente, passa. A gente vai no outro clube amanhã, é campeão em outro lugar, mas o torcedor, não. Ele vai ser só daquele time ali.
Como é da parte do torcedor quando ele o reencontra na rua?
– É bacana, sempre tem a lembrança de ter jogado lá na juventude e ter sido campeão depois de tanto tempo. Marca, né? Um time que fica 22 anos sem ter o título brasileiro, e aí ter aquela conquista, sendo que a gente tinha prometido ser campeão, eles sempre falam em cima disso. Para mim, é muito gratificante.
Tem alguma coisa de bastidor daquela conquista que você carrega contigo?
– Ah, diversas coisas. No começo, eu recebi uma carta de um torcedor. Puta, o cara queria me matar, cara. Perguntando quem eu era para fazer aquilo,”dizer que eu ia ser campeão, estando com o time assim. “Um treinador como você, quem você pensa que é para mexer com o Palmeiras?”. Foi muito difícil, essas coisas pesaram muito para mim, sabe? Eu devia ter guardado aquela carta e ter hoje em mãos. Não tenho porque, lá dentro do problema, você vê as coisas muito diferentes.
Em março de 2016, após invasão de torcedores, segurança foi reforçada — Foto: Rodrigo Faber
– Na sequência, tiveram muitos jogos em que a torcida abraçou. Quando fomos jogar na Arena Corinthians, eles fizeram aquele cordão, que passamos no meio, a gente foi energizado.Quando ia para o aeroporto, como foi no jogo contra o Galo, foram milhares de torcedores no aeroporto jogar energia em cima da gente. A gente também foi energizado, conseguimos um empate muito bom lá.
– Enfim, nessas idas que o ônibus tinha do CT e fazia aquele cordão. Quando houve essa unificação da torcida com a gente, ficou mais fácil o trabalho. Porque, no começo, teve a invasão no CT, teve apedrejamento no ônibus na volta do jogo contra o Água Santa, teve um monte de coisa, a dificuldade era muito maior. Quando a torcida veio a nosso favor, e começou a vir mesmo num clássico contra o Corinthians, 1 a 0, gol do Dudu. Ali as coisas ficaram bem mais fáceis para nós.
Essa carta foi para a Academia de Futebol ou para sua casa? Chegavam muitas cartas?
– Foi para o CT. Não era um bolo de cartas, vinham poucas, mas essa veio que… Porra, chegava a dar medo. Nossa Senhora. Eu imaginei: “O cara tá bravo, que merda que eu fiz, hein?”. Não sei quem é (risos), mas hoje eu me retrato à torcida. Eu entendo hoje o que ele queria dizer, que eu não deveria ter feito aquilo, porque não ia poder cumprir. Mas nós cumprimos.
Não conhecíamos essa história. Você deve ter inúmeras lembranças legais de bastidores daquele título.
– Ah, tenho, tenho inúmeras. Mas essas assim, que deixam na pressão, são as que mais te machucam, porque não tem uma noite que você não vai dormir lembrando que você representa tudo aquilo. Que não é só um jogo, uma diversão. Não é. Futebol é coisa muito séria, sabe? Tem que tomar cuidado com as coisas. Não sei se hoje eu faria a mesma coisa.
– Mas eu acho que tudo é destino. Estava escrito, e pronto. Deu certo. Quando começou o campeonato, já foram no Paulo Autuori (então técnico do Athletico, adversário da primeira rodada): “Olha, o Cuca falou que vai ser campeão”. Aí o Paulo Autuori dava de lá, claro. Não era isso que eu queria falar, não era subestimar os outros, é que eu queria energizar meu time, que acreditassem junto comigo.
Teve arranca-rabo dentro de vestiário também.
– Teve, teve. Uns dois, três. Mas é coisa natural do jogo. Teve um dia em que eu tive um arranca-rabo com o Rafael Marques, depois de um jogo contra o Coxa. Eu queria que ele prendesse uma bola, ele não prendeu. Eu estava muito exaltado, dei uma apelada com ele. Depois, ele deu uma apelada comigo. Mas fica tudo bem. É um cara maravilhoso, um dos líderes que a gente tinha, um dos capitães que a gente tinha, mesmo não jogando sempre. Um cara nota mil.
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