Bolsonaro já vê fissuras até no cercadinho de sua claque no Alvorada
A atitude negacionista de Jair Bolsonaro diante da gravidade do coronavírus vai abrindo fissuras na redoma em que o presidente acreditava estar protegido.
Acostumado a buscar refúgio apenas entre apoiadores que demonstram fidelidade absoluta, ele se tornou exposto a cada vez mais críticas em ambientes que antes pareciam confortáveis.
Um episódio foi especialmente simbólico: a cena em que um imigrante haitiano disse a Bolsonaro que ele representa um risco para a população. “Você não é presidente mais. Precisa desistir. Você está espalhando o vírus e vai matar os brasileiros”, afirmou o homem.
O vídeo foi gravado em frente ao Palácio da Alvorada, no cercadinho em que costumam se aglomerar apenas seguidores mais devotados do governo. É ali que Bolsonaro se abriga quando quer evitar questionamentos da imprensa e ouvir apenas que está fazendo tudo certo.
A cadeia de adulação se quebrou. Atônito, o presidente disse que não entendia o que o imigrante falava, mas o homem continuou seu discurso, até que foi interrompido por apoiadores que ensaiaram uma vaia.
O caso sugere que Bolsonaro pode estar diante de uma crise de imagem, com alto potencial de contágio. A gravação, feita supostamente na noite de segunda (16), ganhou as redes sociais e grupos de WhatsApp -ironicamente, as ferramentas favoritas do bolsonarismo para espalhar suas versões dos fatos.
Os questionamentos em relação às atitudes do presidente no meio da pandemia tendem a se espalhar, não apenas entre opositores. Cenas como essa têm potencial para provocar incertezas também numa faixa de apoiadores que podem ser considerados mais moderados.
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), que quase foi vice de Bolsonaro na eleição de 2018, afirmou que o presidente deveria sair do cargo por ter contrariado as recomendações de seu próprio ministro da Saúde ao estimular e participar dos protestos contra o Congresso no último domingo (15).
O incômodo era claro até entre bolsonaristas relativamente fervorosos, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Ele foi a um protesto pró-governo na capital do estado e pediu que o movimento fosse interrompido. Terminou vaiado pelos apoiadores do presidente.
Se mantiver o discurso de que as reações ao coronavírus são apenas histeria, Bolsonaro será obrigado a enfrentar um desconforto crescente mesmo entre eleitores e aliados.
Questões de saúde pública são especialmente sensíveis para qualquer governante, uma vez que seus efeitos estão presentes no dia a dia da população. A conduta de Bolsonaro, portanto, estará em julgamento por milhões de brasileiros durante o avanço da Covid-19.
O presidente amplia essa fragilidade ao adotar um comportamento absolutamente excêntrico, rebatendo os perigos da doença, enquanto governos de todo o mundo tomam medidas cada vez mais drásticas para contê-la.
Bolsonaro mostra que insistirá nessa estratégia e que pretende recorrer ao apoio das alas mais radicais de sua rede de apoiadores, como sinalizou nos protestos de domingo.
O presidente continua buscando sua zona de conforto. Mas antigos apoiadores, como Janaina Paschoal, querem vê-lo do outro lado do cercadinho do palácio
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