Última epidemia de coronavírus deixou rastro de doenças mentais
Entre 2002 e 2003, um coronavírus provocou pânico no mundo e quase 800 mortes pela Sars (síndrome respiratória aguda grave). Mas os estragos não pararam ali: quatro anos depois, 42% dos sobreviventes haviam desenvolvido algum transtorno mental.
A maioria deles (54,5%) manifestou transtorno de estresse pós-traumático, e 39% tiveram depressão, de acordo com um estudo publicado em 2014 na revista especializada East Asian Arch Psychiatry.
O medo é comum em momentos de crise em saúde pública e, portanto, faz parte da resposta a epidemias, aponta outro artigo, publicado na semana passada na revista médica The Lancet e que trata dos impactos da nova epidemia de coronavírus.
Segundo os autores, há poucos dados sobre o programa desenvolvido pelo governo chinês para acompanhamento e tratamento psicossocial de seus cidadãos, mas, por outro lado, há um extenso plano de “intervenção emergencial em crises psicológicas” para profissionais de saúde da China, fruto do aprendizado da Sars.
A cartilha prevê o acompanhamento psicológico de grupos de risco entre os infectados e familiares para prevenção de comportamentos impulsivos e tendências suicidas, por exemplo.
No dia 28 de janeiro, o governo chinês inaugurou uma linha direta para que os cidadãos possam ligar para requerer ajuda psicológica emergencial, outra forma de prevenir que o que aconteceu após a epidemia de Sars.
Pacientes infectados ou com suspeita de infecção podem manifestar, principalmente, medo das consequências de portar a doença. Já aqueles que estão em quarentena podem ter experiências que vão do tédio à solidão.
Esses sentimentos e sintomas de sofrimento psíquico podem levar a transtornos de ansiedade, ataques de pânico, depressão, agitação psicomotora, delírio e suicídio.
Os efeitos psicológicos de epidemias também podem afetar equipes em hospitais.
Durante a Sars, os profissionais de saúde que participaram dos esforços contra a doença apresentaram transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, medo e frustração devido à possibilidade de serem contaminados e contaminarem familiares e amigos e à impossibilidade de salvar todos os pacientes atendidos.
Até esta terça (11), mais de 43 mil pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus e ao menos 1.100 morreram. A epidemia atual já superou a Sars em todos os níveis.
Os dados são importantes e são atualizados diariamente como serviço à população, mas o excesso de informação pode levar ao medo, senão pânico, segundo o artigo.
Ana Bock, professora de psicologia social da PUC de São Paulo, explica que o medo da epidemia pode gerar a sensação de que ela é ainda maior. “Apesar da informação qualificada, as pessoas nem sempre estão preparadas para compreendê-la. O medo está ligado à fragilidade de lidar com a informação”, afirma.
Já o professor de medicina da USP (Universidade de São Paulo) Esper Kallás aponta que apesar de haver muita informação disponível, a divulgação e a discussão sobre o tema podem ser benéficos. Para ele, cada segundo gasto em conversas sobre ciência é, na verdade, um investimento.
“Vejo o acesso à informação como oportunidade de discutir saúde pública com a população, de discutir investimento em pesquisa. Acho que isso constrói uma relação com a sociedade que nos permite avançar nesses assuntos.”
No domingo (9), 34 brasileiros e seus parentes que foram evacuados da China chegaram ao Brasil para ficar de quarentena em uma base militar em Anápolis (GO).
Eles estão sujeitos aos efeitos do isolamento na saúde mental, mas, nesse, buscou-se atenuar a sensação de isolamento. No local onde eles passarão as próximas semanas, há brinquedos para crianças, telão para filmes, wi-fi, plantas e comidas saborosas.
O plano de quarentena do governo, disponível no site do Ministério da Saúde, indica que há uma equipe de assistência psicossocial à disposição dos brasileiros para atenuar o sofrimento psíquico e prevenir o transtorno de estresse pós-traumático.
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