Elogios, mas também ressalvas: Jesus e Sampaoli mexem mercado e provocam reflexão no Brasil
O mercado de técnicos no futebol brasileiro costuma apontar para algumas tendências. Dirigentes de clubes apostam em estratégias que deram certo em outras equipes. Houve momento de interinos efetivados, do retorno dos medalhões e depois do sucesso do português Jorge Jesus no Flamengo e do argentino Jorge Sampaoli no Santos, a pauta aponta para a chegada de treinadores estrangeiros.
Sampaoli era prioridade no Palmeiras e segue forte no Atlético-MG. O Avaí contratou o português Augusto Inácio. O Internacional apresentou nesta quinta o argentino Eduardo Coudet, ex-Racing.
Antes de Jesus no Fla, o Salgueiro, de Pernambuco, contratou Daniel Neri, que segue na equipe pernambucana para 2020. Sem Tiago Nunes, contratado pelo Corinthians, o Athletico colocou no radar os argentinos Sebastian Beccacece e Ariel Holan e os espanhois Miguel Angel Ramírez e do Domènec Torrent.
Jorge Sampaoli terminou o ano sem título, mas novamente valorizado no futebol brasileiro. O Atlético-MG negocia com ele — Foto: Marcos Ribolli
A vinda de técnicos estrangeiros não é novidade no Brasil. Fleitas Solich, Béla Guttmann, na metade do último século, até Ricardo Gareca e Paulo Bento, para ficar em casos recentes de um argentino e um português. Antecessor do “Chacho”, apelido de Coudet, no Colorado, Zé Ricardo disse em entrevista ao GloboEsporte.com que o sucesso de técnicos estrangeiros leva a reflexões.
– O intercâmbio é sempre importante. Certamente, Sampaoli e Jesus, com os trabalhos que fizeram, fazem todos terem reflexões e isso cria certa tendência. Independente da nacionalidade, precisam ser profissionais preparados e é isso o que todos procuram: melhor qualidade do espetáculo. Para que tudo reverta em maior investimento, maiores estruturas para os clubes. Isso só tende a fazer o futebol brasileiro mais forte – avaliou Zé Ricardo.
Seja para responder perguntas da imprensa na Granja Comary ou nas salas de aula, o tema foi discutido no curso da CBF para treinadores. Cerca de 180 alunos – entre eles Tite e sua comissão técnica, outros nomes famosos do futebol brasileiro e e muitos desconhecidos buscando lugar ao sol – se formaram na licença Pro e A da CBF.
Rogério Ceni, Granja Comary — Foto: Caíque Andrade
“Temos os melhores do mundo”
Osvaldo Torres, coordenador acadêmico da CBF Academy, também destacou a importância de troca de informações entre colegas de profissão de países diferentes. Mas não vê os profissionais acima daqueles consagrados em solo brasileiro.
– A gente não tem nada que não seja do tamanho deles. Temos tamanho até com cinco estrelas no peito. Temos hoje os melhores treinadores do mundo conosco aqui presentes. Temos o Tite, Mano, outros treinadores que não são de seleção, mas que poderiam ser de seleção. Temos treinadores excelentes, que fazem trabalhos excelentes, tão bons quanto Jesus e Sampaoli – disse Torres.
Técnicos assistem a aula prática em Teresópolis — Foto: Raphael Zarko
A CBF Academy convidou, mais uma vez, alguns instrutores de fora do país para participarem das aulas em Teresópolis. Nomes como Nery Pumpido, ex-goleiro argentino e hoje observador técnico da Conmebol, Ioan Lupescu, diretor técnico da Uefa, David Moyes, instrutor da Uefa, Malcolm Mackay, diretor de performance da federação escocesa de futebol, entre outros.
O GloboEsporte.com ouviu treinadores e profissionais do futebol sobre o mercado brasileiro e o intercâmbio de ideias. Houve elogios, reconhecimento, mas também defesa do produto nacional e ressalvas. Confira abaixo os depoimentos:
Renato Gaúcho defendeu modelo de jogo implantado no curso da CBF e observou sobre gringos: “Nada de ciúmes, nada de atacar aqui ou ali” — Foto: Raphael Zarko
Renato Gaúcho – técnico do Grêmio
– A gente sempre aprende. Tem espaço para todo mundo. Só que muita gente diz que são os treinadores estrangeiros que jogam para frente. O Grêmio joga assim há três anos. Não estou tirando os méritos de ninguém, mas o Grêmio, sob o meu comando, sempre buscou a vitória. Eu gosto do trabalho deles. Vai muito daquilo que você tem em mãos. Mas a filosofia de trabalho deles eu gosto, pois se encaixa com a minha. Independente de ser brasileiro ou estrangeiro, tem espaço para todo mundo mostrar o seu trabalho. Nada de ciúmes, nada de atacar aqui ou ali.
Guilherme Dalla Dea – técnico da seleção brasileira sub-17
– No Brasil temos excelentes treinadores. Quando você traz um treinador de fora, a gente tem que buscar o que ele tem de melhor, para agregar ao nosso trabalho. Eu não tive a oportunidade de acompanhar o dia a dia destes treinadores (Jesus e Sampaoli), mas a gente ouve funcionários que trabalharam com eles. São treinadores que buscam esta parte estratégica e a alta intensidade. Não que os nossos treinadores brasileiros não façam.
Rogério Ceni – técnico do Fortaleza
– São treinadores acima da média com quem podemos sempre aprender e tirar coisas boas do trabalho de cada um. Do Sampaoli sou suspeito, já tive o privilégio de acompanhar o trabalho dele durante uma semana em Sevilla, em 2016, e agora joguei contra ele duas vezes, com o Cruzeiro e com o Fortaleza. É um treinador de muita intensidade, muita variação de jogo. É muito difícil enfrentá-lo porque é imprevisível a maneira como ele vem para o jogo. Jorge Jesus é mais previsível, mas a agressividade e a seriedade com que ele fez que o grupo do Flamengo, mesmo depois da conquista, levasse até o fim do campeonato, isso é louvável. Essa dedicação de todos e fazer com que os jogadores se entreguem até o final são dois aspectos muito positivos.
Guto avaliou como fantástico o trabalho de Jorge Jesus no Flamengo — Foto: Raphael Zarko
Cuca – técnico desempregado
– Todos vão pegar de exemplo o Flamengo. Mas “por que o Flamengo não poupou jogadores e vocês poupam jogadores?” A pergunta que sempre ouvimos. Mas para tudo tem lógica. Não poupou porque jogadores que chegaram, como Rafinha, Filipe Luís, Gerson, Pablo Marí, eles chegaram no meio do ano. E chegaram novos, sem desgaste. Natural que se use em 40%, 50% do time no campeonato inteiro. Sem ter lesão. Lógico que aí aparece o grande trabalho do Jorge Jesus e todo o Flamengo como um todo. Mas isso é uma justificativa. Temos que aplaudir o trabalho feito no Flamengo.
Cuca se estendeu e respondeu sobre a intensidade das equipes:
– No curso falamos disso. Será que todos vão conseguir jogar assim? Tem perfil de jogador para isso? Será que querer jogar dessa forma é suficiente ou tem que ter perfil de elenco que jogue dessa forma? O cara dentro do clube tem que ter esse timing, esse feeling. Isso é treino, mas a característica de jogador também. A aceitação do jogador também, de trabalhar daquela forma. Perfil do treinador, de querer jogar mais na frente. Mudança de cultura do clube, tudo isso vai ser aplicado por esses profissionais.
Dorival Junior – técnico desempregado
– A forma como o Flamengo jogou essa competição chamou muito a atenção. Já vinha construindo e formando grande trabalho já há algum tempo. Sempre se aproximava da maioria das semifinais e finais das competições. Acho que foi a confirmação de ótimo trabalho. O Flamengo foi a grata surpresa de todo esse segundo semestre. Algumas equipes já faziam isso, apresentando qualidade, intensidade. O Grêmio vem há quase três anos, o Athletico há algum tempo. Tivemos períodos que o Palmeiras apresentou isso, o Santos. Muitos trabalhos deram start para momento como esse. Espero que a maioria das nossas equipes consigam estabelecer padrão que tenham a posse de bola, mas a posse com objetivo. Com maior ou menor investimento.
Guto Ferreira – técnico do Sport-PE
– Parabéns ao professor Jorge Jesus, fez um trabalho fantástico. Mas a gente tem que saber o porquê de tudo isso. Não é o simples fato dele ser português. É por ele ser competitivo, qualificado, mas qual a qualidade dele? Na medida que vocês, da imprensa, conseguem discernir tudo isso e passar isso para o torcedor, quem está ouvindo vai aprender. Para o ganho do futebol brasileiro tem que fuçar o porquê, ao invés de bater simplesmente, fazer análises rasas sobre a qualidade do treinador brasileiro. Já passaram outros estrangeiros que não eram tão bons.
Gustavo Leal – auxiliar técnico seleção brasileira sub-17
– A gente sempre observa o que está acontecendo dentro e fora do futebol brasileiro. Não para copiar, mas para entender o que se faz e refletir, fazer autocrítica do trabalho, o caminho que está tomando, o que pode seguir. O curso é bom porque os assuntos são amplamente discutidos. A gente tem a possibilidade de ter treinadores tanto da Série A e B, que fizeram bons trabalhos durante o ano. Durante o ano fazemos observação, aqui conseguimos depoimentos de como chegaram naquilo, qual era a ideia que eles passaram.
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