Opinião Jogo Aberto – 28 de Maio de 2018
Quem quebrou a paciência da nação.
Inflação de 2,7% nos últimos 12 meses, aumento do combustível de 59,6%, valorização das ações da Petrobras de 143% em nove meses (até 16.5). Triplicou a importação do diesel dos Estados Unidos (dá para entender?). O resultado agride a sociedade, é injusto: quem trabalha foi confiscado por dezenas de bilhões, e a Petrobras quer mais para tapar rombos da corrupção. Quem especulou com ações da Petrobras ganhou dezenas de bilhões, sem suor. A economia real e popular pagou o preço. Os caminhoneiros foram o primeiro vagão a sofrer o impacto, o último serão os mais carentes, com mais privações, e no meio toda a sociedade. Vamos aos números oficiais que as televisões não falam. A frota brasileira em circulação é de 65,8 milhões de veículos. Destes, 7,0 milhões são de veículos comerciais leves, picapes e furgões (10,67%), cerca da metade destinada a transporte de passageiros (vans) e fretamento para pequenas cargas. Temos mais 2,0 milhões de caminhões (3,09%) e 376,5 mil ônibus. A ANTT (Agência Nacional Transportes Terrestres) informa que, do total de registros emitidos, 417.957 são de transportadores autônomos, 71.227 são de empresas de transporte de cargas e 203 são das cooperativas. Também foram registrados 610.944 veículos de transportadores autônomos, 708.405 veículos de empresas de transporte de cargas e 10.041 veículos de cooperativas. Um cidadão qualquer que passa numa revenda e adquire um caminhão ou cem caminhões passa a ser transportador. Nos 708.405 veículos de empresas privadas, ao menos 50% são de microempresas, ou seja, do autônomo que se registra como pessoa jurídica.
Trata-se de um setor pulverizado. Tão aberto que os fretes são disputadíssimos. A vida média da maioria das pequenas empresas não atinge os quatro anos. Os autônomos que desistem e fracassam são incontáveis. Neste momento, submetidos a extermínio. Empresas com mais de 12 anos de vida são apenas 1%.
No Brasil o quadro de transportes terrestres é um dos piores do planeta. O setor não tem qualquer desoneração, incentivo ou regalia. Paga tudo e sofre carga de mais de 50% sobre sua receita. Quando uma empresa quebra, nasce outra, não tem velório. Comprar uma van para transporte escolar é o que fizeram mais de 450 mil motorista autônomos, que são pagos pelas prefeituras com verbas do Fundeb. Estes não são comentados pela mídia, mas aparecem nas imagens parados nas estradas. Os valores para eles são estabelecidos anualmente. Como fazer para suportar um aumento de 60% dos custos e com reajustes diários. Impossível! Um governo está aí para evitar absurdos como esse. Para que um monopólio criado a serviço do povo não coloque o povo a serviço do monopólio.
E os motoboys, que passam de 1 milhão? O setor de transporte é uma galáxia pulverizada em sistemas e categorias frágeis, sem peso político. Estão, pequenos, micro e todos, fartos de uma política de preços equivocada, de promessas que não são cumpridas, de taxas, impostos impagáveis, empurrando-se goela abaixo.
Condenados por decreto a quebrar, incapacitados de administrar tamanhas dificuldades, de sofrer nas estradas e chegar a uma bomba sem saber se o dinheiro que carrega é suficiente para abastecer. Eles enxergam e sentem o aumento determinado por Pedro Parente como algo que faltará em casa para a família, para viver, para comer. Essa sensação obviamente foge à diretoria da Petrobras ou a ministros que viajam em jatos da FAB ou contam com reembolsos de tudo.
Não é revolta, quebra-quebra, é incapacidade.O absurdo acabou com a esperança e despertou um fenômeno conhecido na Índia como “aimsha” (a não violência para mudar o mundo). Assim mesmo, sem dar um tiro, ou uma bofetada, apenas pela inação. Gandhi conduziu o povo indiano a derrotar o império britânico não correspondendo a suas imposições e explorações. É isso que mais se vê, e alguns comentaristas não enxergam. Passividade, compassiva e ordeira, ao absurdo da exploração. Parecem dizer “estamos aqui aguardando que se retirem”.
O transporte e seus fretes dependem essencialmente de preços regulados, dependem do poder constituído. Combustível e lubrificantes (Petrobras ungida de monopólio), o PIS, a Cofins, a Cide determinada pela União, assim como o seguro obrigatório e os pedágios; e, ainda, o ICMS, o IPVA, o emplacamento decidido pelos Estados. E, se o governante não sabe administrar com juízo seu poder, cortando e dando exemplos de austeridade, levando o país ao colapso nunca visto antes, fica complicado. Esse setor funciona como uma corrente que, submetida à mesma descarga, reage igualmente. Eletrocutada, sofre os mesmas sensações; como diria Pavlov, é reação “condicionada” e igual em 3 milhões de motoristas de norte a sul, de leste a oeste.
Todos querem voltar a trabalhar, até porque sem trabalho não dá para viver. Para isso precisa-se de estadista com sabedoria. Onde está?
Por Marco Aurelio