Opinião Jogo Aberto – 10 de Abril de 2018
Que tiro foi esse? A violência se aproxima da campanha de 2018.
A música-símbolo do Carnaval de 2018 usava uma bala perdida como metáfora, um tanto enviesada, para um elogio superlativo. Essa explicação, que partiu da própria autora do hit, não impediu que pessoas do Brasil inteiro assumissem o tiro musical como algo literal e fizessem milhares de vídeos nos quais simulavam ser alvejados repentinamente. O surpreendente, nesse fenômeno das redes sociais, foi a espontaneidade com a qual os brasileiros fizeram da violência urbana uma piada. É fato que, já há algum tempo, balas perdidas e mortes sem sentido fazem parte do cotidiano de muitas grandes cidades brasileiras, porém a naturalidade e descontração com a qual milhares de pessoas encaram essa tragédia é algo recente.
Não é casualidade que, neste mesmo ano de 2018, tiros tenham sido desferidos contra a caravana do ex-presidente Lula no interior do Paraná. A impopularidade de Lula nos Estados sulistas já vinha ocupando as manchetes, sobretudo devido aos ataques com ovos à comitiva petista: deselegância à parte, um tipo de expressão que ainda cabia no amplo espectro de manifestações políticas aceitas usualmente no Brasil.
Os tiros, entretanto, fogem do padrão da política nacional após a retomada dos governos civis, em 1985. Trata-se, sem dúvida, de uma aberração alarmante, quando olhada sob a perspectiva da política. Mas, se colocados no contexto da violência cotidiana do Brasil, e principalmente da forma como a cultura popular já absorveu e naturalizou a barbárie, os tiros no ônibus de Lula não têm relevância alguma.
A naturalização da violência é um problema tão grave quanto a violência em si. Aceitar, conviver, banalizar e transformar a morte em mercadoria cultural, quando não em simples humor, significa referendar a barbárie que ocorre em muitas cidades. Se a opinião pública ainda não chega a ser cúmplice da matança urbana diária, com certeza já deixa de fazer oposição a esta há algum tempo. Assim, o discurso que aceitamos, cedo ou tarde, passa a ser o discurso que praticamos. Brincar com o tema das balas perdidas nas redes sociais acaba guardando relação próxima com as declarações de outros pré-candidatos à Presidência da República, que culparam o próprio Lula e o PT pela violência sofrida no interior do Paraná.
O legado de incitação e de política incendiária do PT é extenso e bem documentado. Porém, por desagradável que seja, este ainda se situa no mesmo panteão folclórico e escatológico dos ovos que foram atirados contra Lula: são fatos que não deveriam ocorrer, mas tampouco são situações que mudam o funcionamento da democracia brasileira. Quando surgem discursos que tratam tiros como parte da engrenagem política, explicando-os com certa naturalidade, temos, então, uma visão clara do quanto a violência já tomou conta do raciocínio nacional.
A única reação aceitável aos tiros que acertaram a caravana de Lula é o repúdio total, veemente e incondicional, por parte de todos os demais pré-candidatos à Presidência. Não porque Lula deva ser alçado ao posto de mártir nacional, mas sim porque a política deve ser feita com o intercâmbio de ideias, e não com a troca de balas. Esse limite absoluto deve ser respeitado, porém não há sinais claros na sociedade atual de que o processo de normalização da violência esteja sendo revertido. Assim, o potencial para que a agressão se espalhe na campanha de 2018, por enquanto, segue cada vez mais alto.
Por Marco Aurelio