Justiça climática: a necessidade de um novo modelo de desenvolvimento econômico na era do Antropoceno
Luiz Fredson França
Terça-feira, 24 de setembro de 2024 – 14h59 | Luiz Fredson França
“[…] a primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la”.
Eduardo Galeano
Na coletânea Brasil: Estado social contra a barbárie (2020) a economista Esther Bemerguy de Albuquerque relembra que em 1995 Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química, já alertava que a influência humana sobre o planeta nas últimas décadas foi tão profunda que inaugurou uma nova era geológica, o Antropoceno. Para Crutzen essa nova época é marcada pelos impactos significativos das atividades humanas, como o uso intensivo de materiais, energia e geração de resíduos. Os especialistas concordam que essas mudanças no metabolismo social e no modelo de produção dominante representam riscos para o equilíbrio do planeta, caracterizando a transição para o Antropoceno como um claro reflexo da intervenção humana nos sistemas naturais.
No seu artigo “Elementos para um Programa de Transição Ecológica”Albuquerque (2020) afirma que desde o final da década de 1960, as políticas ambientais geraram a ser inovações em resposta aos impactos adversos causados pelo homem. Iniciativas globais importantes, como o relatório “Os Limites do Crescimento” (1972) e o “Relatório Brundtland” (1987), que a modificação do conceito de “desenvolvimento sustentável”, foram fundamentais para destacar os limites do crescimento econômico descontrolado. Esses marcos culminaram na Rio 92, onde se consolidou a necessidade de reformar o modelo de desenvolvimento, integrando padrões de regulação ambiental para enfrentar uma crise climática global.
Esther Albuquerque (2020) defende a necessidade de uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico para enfrentar uma crise ambiental global. Albuquerque confirma os limites do atual modelo de crescimento, que, baseado no alto consumo de recursos naturais, intensifica as desigualdades e as mudanças climáticas.
Para ela, a solução está na transição ecológicaque envolve uma abordagem política e social, além da tecnológica, propondo uma economia sustentável que respeite os limites ecológicos e promova um crescimento qualitativo. Políticas públicas robustas devem estar no centro desse processo, com o Estado implementando regulamentações e incentivando práticas sustentáveis, como o desenvolvimento de tecnologias limpas e a promoção de uma economia verde.
A Lei 6.938/81 define meio ambiente como um conjunto de condições e interações físicas que sustentam a vida. Com a promulgação da CF/1988, o Brasil passou a considerar o meio ambiente como um direito fundamental de todos e todas. Conforme o Artigo 225, “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações. ”. Ou seja, o referido artigo constitucional impõe ao poder público e à sociedade a responsabilidade pela preservação e uso sustentável dos recursos naturais.
O passado é ruim? Ou continuamos sendo surdos?, provoca Eduardo Galeano em prefácio de sua obra “As veias abertas da América Lática” (1971).
O relatório “Cartografias das Violências na Região Amazônica” (2022), detalha as interseções entre crimes ambientais, violência e segurança pública na Amazônia Legal. O estudo destaca a grilagem de terras, queimadas, exploração ilegal de madeira e garimpo como principais fontes de degradação ambiental. Esses crimes estão associados ao desmatamento e à especulação imobiliária, gerando conflitos violentos pela posse da terra.
Reportagem da Agência Pública (2023), aponta que a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, em Rondônia, é uma das áreas mais afetadas na Amazônia devido à compra de gado proveniente de unidades de conservação. O desmatamento ilegal na região, especialmente entre 2018 e 2020, impulsionado pela expansão da pecuária, tem agravado os crimes ambientais. Porto Velho, onde a Resex está localizada, sofre com perda de biodiversidade e conflitos agrários causados pela invasão de terras protegidas. Segundo a publicação, esses crimes, ligados à pecuária ilegal e à destruição de áreas protegidas, revelam a conexão entre certos grupos empresariais e a gestão ambiental, intensificando os desafios climáticos da região.
Matéria veiculada no site do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), intitulado “Fogo queimou quase 200 milhões de hectares no Brasil nos últimos 39 anos” (2024), aborda a grave situação das queimadas no Brasil entre 1985 e 2023, com destaque para a Amazônia e, especialmente, o estado de Rondônia. A prática das queimadas na região está frequentemente associada à expansão agropecuária, utilizada para a criação de pastagens. Rondônia, historicamente afetada pelo desmatamento para fins econômicos, vê sistematicamente o uso do fogo como ferramenta comum para limpar áreas, agravando a gestão ambiental e intensificando a emissão de dióxido de carbono, contribuindo para o aquecimento global e a destruição de habitats naturais.
Ainda de acordo com o IPAM, Porto Velho, o maior município de Rondônia, concentra grande parte dessas queimadas, especialmente na estação seca, o que aumenta a propagação do fogo. Essa prática não só agrava o desmatamento e a perda de biodiversidade, como também impacta diretamente a saúde da população, resultando em um aumento de doenças respiratórias devido à inalação de fumaça, afetando principalmente crianças e idosos. A falta de políticas públicas adequadas e de fiscalização intensifica o problema, tornando Porto Velho uma área crítica em relação às queimadas no estado.
Nesse contexto de destruição ambiental, recentemente o Ministério Público Federal (MPF) de Rondônia ajuizou a Ação Civil Pública (ACP nº 1013869-27.2024.4.01.4100) para exigir esforços do poder público no sentido de combater as milhares de focos de incêndio detectados (7.672 ) entre os meses de julho, agosto e meados de setembro, motivados pela seca, mas sobretudo, pela ação humana. Em decisão, a Justiça Federal externa preocupa-se pela “manutenção da condição de calamidade pública” em razão da “letargia e desinteresse” do estado de Rondônia “em cobrar da União medidas […] para debelar a crise” climática instalada. Alguns efeitos dessa crise são conhecidos: “[…] o confinamento de pessoas em ambientes fechados, especialmente crianças e idosos, para evitar a exposição às partículas, a sobrecarga dos serviços de saúde, além do impacto no transporte aéreo prejudicado pelo cancelamento de voos pela falta de visibilidade provocada pela fumaça.”assevera o juiz federal Dimis da Costa Braga em decisão proferida.
Portanto, antes da fumaça que mareja nossos olhos, podemos dizer, com todas as letras, que negar o Antropoceno é não considerar que o impacto crescente da humanidade sobre os ecossistemas naturais coloca em risco a estabilidade do planeta. Evitar o chamado “ponto de não retorno” não é apenas uma questão de justiça climática, é lutar pela sobrevivência.
Em nossas considerações finais, temos que as consequências das queimadas e da crise ambiental global, particularmente na Amazônia e em Rondônia, revelam a urgência de um novo paradigma de desenvolvimento econômico. A necessidade de políticas públicas eficazes, o combate ao desmatamento ilegal e o incentivo às práticas sustentáveis são essenciais para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas A preservação ambiental deve ser vista como um imperativo moral e coletivo, capaz de garantir o bem-estar comum e evitar danos irreparáveis ao planeta e às futuras gerações. Portanto, ao alinhar a ética do bem comum com a preservação ambiental, ancorada em nosso ordenamento jurídico, acreditamos ser possível promover uma transição ecológica que respeite os limites ambientais e sociais, garantindo um desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Justiça climática, já!
Rondoniagora.com