Ministério Público Estadual promove debate sobre cidadania, diversidades sexual, racial e religiosa em Porto Velho
Evento foi dividido em dois dias e mobilizou centenas de pessoas que lotaram o auditório do MPE na Capital. Texto e fotos de Felipe Corona, especial para o Web Jornal Rondôniavip.
Durante a quinta (28) e sexta-feira (29), no auditório do Ministério Público Estadual em Porto Velho, centenas de pessoas se reuniram para debater cidadania e as diversidades sexual, racial, religiosa, além da intolerância e violência que as cerca no mundo atual. A iniciativa foi do Centro de Apoio Operacional da Cidadania (CAOP-Cidadania) do MPE, comandado pela promotora de Justiça de Ariquemes, Priscila Matzenbacher Tibes Machado.
Na oportunidade foram convidados vários movimentos sociais e representantes das comunidades negras, da umbanda, islâmica, católica, da Ordem dos Advogados do Brasil em Rondônia (OAB), budistas, LGBTs, entre outros. “Temos a incumbência constitucional não só da proteção dos direitos jurídicos, mas também dos fundamentais. Nós vivemos um momento delicado mundial de intolerância. Minorias estão sendo atacadas e vemos um movimento internacional disso. Nos Estados Unidos, na Alemanha. Até um resgate de grupos neonazistas. Isso nos preocupa muito. No Brasil, embora não muito noticiada, como em outros países, temos números alarmantes. Por exemplo, a comunidade LGBT é a que mais matam. Em relação às religiões, temos uma intolerância religiosa, com grupos fundamentalistas que atacam religiões. Muito fruto do Congresso que tem uma bancada evangélica e cristã muito numerosa e que estimula muitas vezes. Não digo é que de uma forma direta, mas muitas vezes inconsciente que muitas vezes estimula essa intolerância. Isso deságua na comunidade LGBT e nas religiões de matizes africanas. Dividimos o evento em dois segmentos, pois entendemos que eles estão muito próximos. No dia 28 discutimos aspectos étnico-raciais e culturais. Por isso que vem aí a questão das religiões. Na sexta, dia 29, é a cidadania e a diversidade sexual”, disse a promotora Priscila Matzenbacher Tibes Machado em entrevista ao Rondôniavip.
Para a diretora do CAOP-Cidadania, o melhor caminho sempre é o debate, apesar do atual cenário de violência e intolerância que tem atingido as chamadas minorias. “Pegando um pouco do que diz o papa Francisco, a gente tem uma errônea ideia do que seja o cristianismo. Nesta religião, a palavra de ordem é tolerância, porquê foi amor que Jesus Cristo pregou. Na prática não vemos muito isso, pois não há tolerância com qualquer comunidade que não tenha preceitos basilares. O Ministério Público como defensor da democracia, considerando que o ódio também interfere na democracia, nós temos que atuar. Essa é uma ordem constitucional que nós interpretamos, onde por isso devemos promover esse encontro, suscitar esse debate, levantar esses pontos. Não querendo ensinar nada. Não compete ao Ministério Público ensinar nada. Compete estimular que as diferentes vozes dialoguem, conversem e vivam em harmonia. O Conselho Nacional do Ministério Público também vem nessa linha de ordem dessa realização, por isso que a gente resolveu fazer esse evento”, apontou ela.
A promotora de Justiça da Cidadania, Daniela Nicolai de Oliveira Lima, também esteve presente ao primeiro dia de atividades e ressaltou que o MPE tem agido de maneira firme no combate ao preconceito e discriminação racial e religiosa. “O maior genocídio da era moderna, o holocausto, teve relação com o preconceito racial e religioso. Esperamos que a sociedade evolua para não mais viver dias como aqueles”.
Desabafos
Para o babalorixá, historiador africanista e coordenador do grupo de homens do Axé, Marconi Moraes, os ataques às religiões de matizes africanas são freqüentes e até então nada tem sido feito para freá-los. “Já tivemos dezenas de terreiros depredados por todo o país, mas isso aconteceu recentemente em Buritis. As pessoas esquecem que têm sangue africano nas veias, que a cultura africana está presente na culinária. Só ver quem gosta de comer vatapá. O preconceito está muito presente no nosso dia a dia, com as escolas ensinando o que é errado. Colocam uma criança branca vestida de princesa, toda linda, enquanto o negro é escravo. Nós devemos sim colocar o dedo nessas feridas para evoluirmos, pois nós, que vivemos essa triste realidade sabemos o que é o preconceito, como somos atacados todos os dias”.
Já a coordenadora do grupo de mulheres de terreiro da Federação de Cultos Afro de Umbanda e Ameríndios de Rondônia, mãe Ana de Iemanjá, foi além e disse que diversas vezes os direitos mais básicos são negados por puro preconceito e hipocrisia. “Nós sabemos bem o que é ter uma matrícula negada de um filho em uma escola por sermos da Umbanda. De não receber atendimento médico nos postos de saúde, de registros de ocorrência por invasão e destruição dos nossos Axés, que são nossos templos sagrados. Dizem que o Estado é laico, mas na hora de fazer o registro de um crime, nos viram as costas. Tanto que está virando rotina a destruição de terreiros no Rio de Janeiro e em Brasília. Nós temos orgulho das nossas vestes, mas não sou palhaça de circo, para as pessoas tirarem fotos comigo, e depois, me olharem de lado, denunciando o preconceito. Espero que esse simpósio seja o início de que a sociedade nos veja. Quero ter a esperança de um dia nossos filhos não sejam ameaçados de morte. Nosso povo tem vez e voz. De uns tempos pra cá, parece que querem voltar ao tempo da escravidão, onde fazíamos nossos cultos dentro de buracos e com as correntes presas nos nossos pés. Chega disso. É hora de mudar essa situação”.
Para celebrar a união da diversidade das religiões, o membro da comunidade muçulmana, Youssef Hizaji Zaghout, deu a coordenadora do evento, a promotora de Justiça Priscila Matzenbacher Tibes Machado, um exemplar do Alcorão, livro sagrado do Islamismo.
Último dia
Na sexta-feira, dia 29, foi a vez de um amplo debate sobre “Cidadania e Diversidade Sexual”. O evento foi marcado pela palestra bem humorada de Mahamoud Baydoun, psicólogo, especialista em sexologia e mestrando em psicologia na Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
Na oportunidade, o profissional destacou como os homossexuais são tratados rotineiramente nos mais diversos ambientes. “Fico muito triste quando chamam um transexual de viado, um travesti de viado. Existem suas diferenças dentro desse mundo especial. Somos vítimas de um preconceito diário. Eu mesmo já perdi muitas oportunidades de trabalho por ser afeminado, de ter a voz fina e rebolar. Sem contar que quando você diz que é homossexual, as pessoas já acham que tem que te apresentar um amigo. Isso é preconceito, pois acham que somos promíscuos, que nossa vida é só pegar homens”, falou ele provocando gargalhadas na plateia.
Quem também fez uma palestra com grande participação dos convidados foi o professor doutor da UNIR, Estevão Rafael Fernandes, graduado em antropologia e ciências sociais e com doutorado na Universidade de Brasília (UnB).
Fonte:RONDÔNIAVIP