Bomba de insulina de alça fechada em gestantes com diabetes tipo 1 é segura?
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) representa cerca de 7% dos casos de diabetes durante o período gestacional. O controle glicêmico inadequado está associado a um aumento no risco de malformações fetais, sobretudo malformações cardíacas, bem como abortamento, óbito fetal, macrossomia, prematuridade e maior risco de pré-eclâmpsia.
As bombas de insulina hybrid closed loop (sistemas em alça fechada) são basicamente bombas onde o ajuste de taxas de infusão de insulina é realizado automaticamente com base na glicemia intersticial avaliada por um monitor contínuo (CGM), restando ao paciente apenas a tarefa de aplicar as doses de bolus. Modelos mais recentes, inclusive, conseguem ajustar a taxa de infusão para corrigir uma hiperglicemia mesmo que eventualmente o paciente “esqueça” ou pule a dose de bolus, trazendo em questão de algumas horas a glicemia de volta para a meta pré estabelecida. Tais dispositivos vêm apresentando um alto índice de tempo no alvo de glicemia e melhora no controle em diferentes grupos populacionais. Contudo, a gestação ainda é uma barreira.
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A meta de controle de gestantes com DM1, tanto para engravidar como durante a gestação, é atingir uma hemoglobina glicada < 6,0% e um tempo no alvo em monitores contínuos de glicose (CGM) maior que 70% no alvo (63 a 140 mg/dL), o que não é simples com o uso do tratamento com múltiplas aplicações diárias de insulina.
Estudos com uso de bomba de insulina convencionais não demonstram melhor controle glicêmico na gestação ou melhora de desfechos gestacionais quando comparados ao tratamento clássico. Por outro lado, há evidências crescentes demonstrando grande potencial em termos de controle glicêmico com o uso de dispositivos em alça fechada (closed loop) em pacientes fora da gestação. Até o momento, não havia ensaios clínicos randomizados demonstrando benefícios desses dispositivos na gestação, o que motivou a realização do estudo AiDAPT, publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) no mês de outubro de 2023.
Métodos do estudo sobre o uso de bomba de insulina alça fechada na gestação
O estudo AiDAPT foi um ensaio clínico randomizado, de fase 3, open-label, que comparou o uso de sistemas híbridos de alça fechada (os famosos “closed loop”) vs. terapia convencional com múltiplas doses de insulina ou bomba de insulina convencional para o controle do DM1 na gestação. Foi um estudo multicêntrico realizado no Reino Unido, envolvendo 9 centros do National Health Service (NHS).
Os critérios de inclusão foram gestantes com DM1, com hemoglobina glicada (HbA1c) de pelo menos 6,5% e menor que 10%, entre 18 e 45 anos, que tinham o diagnóstico de DM1 há pelo menos um ano. O recrutamento deveria ocorrer o mais cedo possível após a confirmação da gestação, sempre no mínimo antes de 14 semanas, sendo randomizadas antes das 16 semanas.
O objetivo primário do estudo foi avaliar o tempo no alvo (63-140 mg/dL) avaliado pelo uso dos monitores contínuos de glicose (CGMs). Os desfechos secundários selecionados foram tempo acima do alvo (> 140 mg/dL), nível de hemoglobina glicada, eventos de segurança e tempo no alvo durante a madrugada. Não foram selecionados desfechos materno-fetais para análise estatística (o estudo teve um N pequeno e não teria poder para investigar tal relação).
Ao final, foram randomizadas 124 gestantes com DM1, divididas na proporção de 1:1 entre tratamento convencional vs. alça fechada. Ambos os grupos foram seguidos com monitores contínuos de glicose (CGMs) a partir de 16 semanas de gestação até o final. As análises foram realizadas em intention-to-treat.
Quanto à população do estudo, a média de idade foi de 31 anos, com média de glicada inicial de 7,7%. O tempo médio de duração do diabetes era de 16-18 anos e o IMC médio de 27 kg/m2. Cerca de 34% eram primigestas. O dispositivo de alça fechada utilizado foi a combinação da bomba Dana Diabecare RS (Sooil) com o monitor contínuo Dexcom G6 e o aplicativo/algoritmo de comunicação entre os devices CamAPS FX (CamDiab), aprovado para uso na gestação no Reino Unido. As pacientes podiam instalar o App em seu próprio celular ou então recebiam smartphones para uso durante o estudo. Os alvos glicêmicos selecionados foram: 100 mg/dL no início, reduzindo para 81-90 mg/dL entre 16 e 20 semanas e mantendo assim até o final da gestação.
Resultados
O uso de bomba de insulina em alça fechada resultou em melhora do controle glicêmico durante a gestação, ainda que discreta:
- Grupo bomba de alça fechada: 68,2% (+/- 10,5%)
- Grupo convencional: 55,6% (+/- 12,5%)
- Diferença média estimada: 10,5%; IC 95%; 7,0 a 14,0; p < 0,001).
As pacientes no grupo da bomba de insulina de alça fechada também tiveram menor tempo em hiperglicemia (-10,2%; IC 95%; -13,8 a -6,6), além de permanecer maior tempo no alvo de 63 a 140 mg/dL no período noturno, designado como entre 23h e 7h da manhã (-12,3%; IC 95%; 8,3 a 16,2).
Além disso, gestantes do grupo bomba em alça fechada tiveram menor média de hemoglobina glicada (-0,31%).
Considerações
Um dado importante é que não houve diferença entre os grupos quanto à incidência de hipoglicemias graves (6 episódios no grupo bomba de alça fechada vs. 5 no grupo convencional). Por um lado é um dado que demonstra segurança no uso do dispositivo, por outro mostra que o mesmo não traz um impacto em maior segurança do tratamento. Não houve diferenças quanto à incidência de cetoacidose diabética (CAD) entre os grupos.
Desfechos materno-fetais
Apesar de não ter poder estatístico para a avaliação de desfechos materno-fetais, em análise descritiva, não foram observadas diferenças em prematuridade, peso ao nascimento ou admissão à UTI neonatal. Os recém-nascidos filhos das mães que utilizaram a bomba em alça fechada nasceram em média 4,5 dias antes. Houve um episódio de distócia de ombro no grupo alça fechada, enquanto no grupo convencional aconteceram 3 episódios de encefalopatia hipóxico-isquêmica.
Ainda, numericamente, houve maior incidência de pré-eclâmpsia (7% no grupo alça fechada vs. 20% no grupo convencional).
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Conclusão e mensagem prática sobre o uso de bomba de insulina alça fechada na gestação
Este estudo demonstrou sobretudo a segurança do uso das bombas de alça fechada na gestação. O benefício do ponto de vista de controle glicêmico, apesar de estatisticamente significativo, ainda foi pequeno. Isso pode ter ocorrido também por um bom controle do grupo tratamento convencional, que atingiu uma HbA1c de 6,4% comparado a 6,0% no grupo alça fechada.
Contudo, a grande questão é sempre a mesma: essa pequena diferença pode gerar benefícios em desfechos duros como complicações materno-fetais, considerando o alto custo dessa terapia? Quais gestantes se beneficiariam mais do uso desse dispositivo? É custo-efetivo?
Esperamos estudos que tragam respostas a essas perguntas também.
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Autor
Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Faculdade de Medicina de Botucatu
- Lee TTM, Collett C, Bergford S, Hartnell S, Scott EM, Lindsay RS, Hunt KF, McCance DR, Barnard-Kelly K, Rankin D, Lawton J, Reynolds RM, Flanagan E, Hammond M, Shepstone L, Wilinska ME, Sibayan J, Kollman C, Beck R, Hovorka R, Murphy HR; AiDAPT Collaborative Group. Automated Insulin Delivery in Women with Pregnancy Complicated by Type 1 Diabetes. N Engl J Med. 2023 Oct 26;389(17):1566-1578. DOI: 10.1056/NEJMoa2303911.