Procurador-geral do MPC-RO publica artigo sobre lei que aperfeiçoa direitos dos usuários de serviços públicos
Procurador-geral do Ministério Público de Contas de Rondônia, Adilson Moreira de Medeiros.
Foi publicado pelo procurador-geral do Ministério Público de Contas de Rondônia (MPC-RO), Adilson Moreira de Medeiros, o artigo “A Lei nº 13.460/2017 como instrumento do controle de qualidade e eficiência dos serviços públicos e de efetividade do direito fundamental à boa administração”, em que ele analisa a nova legislação como um bom recurso para aperfeiçoamento dos direitos dos usuários dos serviços públicos.
Segundo o procurador-geral, por assegurar fóruns para registrar as insatisfações e frustrações do cidadão em relação aos serviços públicos, a nova legislação deve ser também motivo de melhora na qualidade desses serviços. Alerta Adilson Moreira que a Lei nº 13.460/17 é, ainda, mais um instrumento de atuação do Ministério Público de Contas na defesa cidadã de serviços públicos melhores.
A nova legislação considera princípios que regem a boa prestação dos serviços de agentes públicos, bem como os canais de manifestação dos usuários dos serviços.
Abaixo a íntegra do artigo do procurador-geral Adilson Moreira de Medeiros.
A Lei n. 13.460/2017 como instrumento do controle de qualidade e eficiência dos serviços públicos e de efetividade do direito fundamental à boa administração –
24/07/2017 – Adilson Moreira de Medeiros*
Com um atraso de quase trinta anos em relação ao texto constitucional original[1], foi recentemente sancionada a Lei n. 13.460, de 26 de junho de 2017, cumprindo o desiderato de regulamentar o art. 37, § 3º, da Carta Fundamental de 1988, depois de longa tramitação no Congresso Nacional, a partir do Projeto de Lei do Senado n. 439/1999.[2]
Se tomado por marco temporal o advento da Emenda Constitucional n. 19/1998, que deu nova redação ao dispositivo[3], a mora legislativa é de quase vinte anos, tendo sido necessário, nesse meio tempo, que o Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar exarada pelo Min. Dias Toffoli, em julho de 2013, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 24[4], fixasse prazo de 120 dias para a edição de referida lei[5].
Sem embargo da demora e da constatação de que a novel legislação não cuidou de disciplinar todos os aspectos determinados pela emenda constitucional antes referida[6], trata-se, inequivocamente, de um grande avanço em sede de efetividade do direito fundamental à boa administração, definido por Juarez Freitas como:
o direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas.[7]
Deflui dessa compreensão a presença na lei em comento, dentre outros, dos parâmetros de presteza, acessibilidade, racionalidade, proporcionalidade, qualidade e eficiência[8] com que devem ser prestados os serviços públicos postos à disposição da população, cuja observância tanto pode ser cobrada diretamente pelo próprio destinatário (controle social), por meio dos instrumentos e canais de acesso ali previstos, quanto aferida pelos órgãos fiscalizatórios (controles interno e externo).
Em sede de controle externo, sem maior esforço se percebe a grande relevância de tal norma para o aperfeiçoamento das auditorias de cunho operacional, a partir das balizas legais que ora vêm a lume.
Com efeito, do teor do texto legal recém-editado ressaem aspectos assaz positivos, tais como a sua aplicação subsidiária aos serviços públicos prestados por particular (art. 1 º, § 3º) e a submissão expressa da administração pública aos ditames da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), quando caracterizada relação de consumo (art. 1º, § 2º, II), assim como o reconhecimento da qualidade de usuário a qualquer pessoa, física ou jurídica, que se utilize ou se beneficie desses serviços, seja efetiva ou apenas potencialmente (art. 2º, I).
Como medida de racionalidade legislativa, optou o legislador por remeter diretamente à Lei n. 12.527/2011 o acesso do interessado às informações de que necessite na seara da prestação de serviços públicos.
No tocante aos direitos do usuário, merece destaque a previsão expressa – ao lado de urbanidade, respeito e cortesia – da obrigatoriedade de garantir-se acessibilidade[9] a quem necessita de atendimento, regra de caráter nitidamente inclusivo (art. 5º, I e X)[10], na mesma senda da garantia de atendimento prioritário a pessoas com deficiência, idosos etc. (art. 5º, III).
O influxo do princípio da razoabilidade na elaboração normativa é claramente percebido no mesmo rol de direitos do art. 5º, como se vê das referências textuais que dizem com a “adequação entre meios e fins” (inciso IV – dimensão da adequação), vedação de “imposição de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas na legislação” e de “exigência de nova prova sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada” (incisos IV e XV – dimensão da proibição de excesso), além da “eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido” (inciso XI – dimensão da proporcionalidade em sentido estrito).
A transparência da administração, de um lado, e a segurança do destinatário da prestação, de outro, constituem a tônica dos direitos básicos do usuário elencados no art. 6º, do que são exemplos a “participação no acompanhamento da prestação e na avaliação dos serviços” (inciso I), “obtenção de informações precisas e de fácil acesso nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibilização na internet” (inciso VI), contrabalançados pela “obtenção e utilização dos serviços com liberdade de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação” (inciso II), “acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa constantes de registros ou bancos de dados (inciso III) e “proteção de suas informações pessoais” (inciso IV).
No respeitante aos canais de que dispõe o usuário para se fazer ouvir e ter seus direitos respeitados pela administração pública prestadora de serviços, o legislador conferiu grande relevo ao papel das ouvidorias, as quais não mais podem ser concebidas como meros receptáculos de queixas e sugestões dos interessados, com atuação amplamente deficitária em termos de resolutividade, como sói acontecer na atual quadra.
Em linha diametralmente oposta, a nova lei encarrega tais órgãos de atribuições voltadas diretamente à obtenção de resultados concretos, cumprindo-lhes, dentre outros misteres, previstos no rol do art. 13, garantir a efetividade e buscar o aperfeiçoamento dos serviços públicos, auxiliar na prevenção e correção de atos e procedimentos incompatíveis com os princípios estabelecidos na lei, além das funções de mediação e conciliação de interesses das partes.
Ainda no que tange ao prisma finalístico, cumpre anotar que a atuação das ouvidorias, por força do art. 12 da lei, perpassa a análise das demandas apresentadas e a obtenção das informações necessárias, só se considerando cumprida a missão depois de obtida uma “decisão administrativa final” a ser comunicada ao interessado.
E mais, a lei fixou o prazo de trinta dias, prorrogável justificadamente, por única vez e igual período, para encaminhamento da decisão administrativa ao usuário (art. 16).
De igual modo, cuidou o texto normativo de consignar o prazo de vinte dias, prorrogável nas mesmas condições antes mencionadas, para que os agentes públicos vinculados prestem as informações às respectivas ouvidorias (art. 16, parágrafo único).
Lado outro – e aqui residem os pontos criticáveis da lei –, outros instrumentos e órgãos previstos, a despeito de extremamente importantes, ficaram sem a adequada disciplina, relegados que foram à necessidade de futura regulamentação específica, sem fixação de prazo para tanto, o que põe em xeque a efetividade da norma em sua integralidade, notadamente por também não haver qualquer sanção para o seu descumprimento.
Assim é que as próprias ouvidorias deverão ser objeto de atos normativos específicos, de cada Poder e esfera de governo, que lhes definam a organização e o funcionamento (art. 17).
Outro instrumento que recebeu idêntico tratamento foi a “Carta de Serviços ao Usuário”, cujo conteúdo se presta justamente a “informar o usuário sobre os serviços prestados pelo órgão ou entidade, as formas de acesso a esses serviços e seus compromissos e padrões de qualidade de atendimento ao público” (art. 7º, § 1º).
Muito embora a lei preveja que os órgãos e entidades por ela abrangidos divulgarão essa Carta de Serviços (art. 7º, caput), com atualização periódica e disponibilização na internet (art. 7º, § 4º), não estabeleceu prazos para tais providências, limitando-se a remeter a operacionalização do tema para regulamentação de cada Poder e esfera de governo, igualmente sem fixação de horizonte temporal para cumprimento da medida.
O mesmo se deu com os “Conselhos de Usuários” previstos nos arts. 18 a 22 em termos assaz genéricos, deixando o legislador antever apenas que têm natureza jurídica de órgãos consultivos, com atribuições de acompanhamento e avaliação dos serviços, de proposição de melhorias e contribuição na definição diretrizes para o adequado atendimento ao usuário, bem como de acompanhamento e avaliação do ouvidor (art. 18, parágrafo único, I a V), podendo ser consultados quanto à indicação daquele (art. 20).
A generalidade atinge o ápice – beirando à rarefação – nas disposições acerca da composição de tais conselhos, aludindo a norma vagamente à observância dos “critérios de representatividade e pluralidade das partes interessadas, com vistas ao equilíbrio em sua representação”, sendo que a “escolha dos representantes será feita em processo aberto ao público e diferenciado por tipo de usuário a ser representado” (art. 19, caput e parágrafo único).
Diante de tamanha imprecisão, inelutável a necessidade de integração normativa, tal como consignado no art. 22, também sem prazo estabelecido.
Sem embargo da omissão de prazos para a edição dos atos regulamentares reclamados, cumpre averbar que a norma cuidou de prever, no derradeiro dispositivo (art. 25) períodos de vacatio legis distintos, a contar da publicação, para (i) a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil habitantes (trezentos e sessenta dias); (ii) os Municípios entre cem mil e quinhentos mil habitantes (quinhentos e quarenta dias); e (iii) os Municípios com menos de cem mil habitantes (setecentos e vinte dias).
Tendo em vista que o instituto da vacatio legis colima prover os destinatários da norma do tempo necessário à assimilação de seu conteúdo e à obtenção das condições necessárias, sejam formais ou materiais, para sua fiel execução, mostra-se de todo razoável que se possa exigir que, ao cabo dos diferentes lapsos temporais estabelecidos, os órgãos e entidades prestadores de serviços públicos dos respectivos Poderes e esferas de governo tenham providenciado os atos regulamentares legalmente exigidos.
Nesse contexto, é perfeitamente possível – até mesmo recomendável – que os membros do Ministério Público de Contas, sem embargo de que também o façam os demais ramos ministeriais, dada a sua condição não apenas de custos legis, mas de custos iuris, expeçam a quem de direito notificações recomendatórias cobrando a tempestiva adoção das medidas de integração normativa previstas nos comandos legais alhures referenciados, sob pena de representação ao respectivo Tribunal de Contas, em caso de não cumprimento, tão logo expirado o correspondente prazo de vacatio legis grafado no art. 25 da lei em voga.
Trata-se de medida inegavelmente vocacionada a contribuir para a máxima efetividade do direito posto aqui tratado, nele incluídos os princípios e direitos fundamentais, ainda que implicitamente agasalhados no ordenamento jurídico nacional, a exemplo do direito fundamental à boa administração invocado ao início deste texto e que é tão caro, em especial, ao Ministério Público de Contas, dada a sua insofismável vocação para o combate à má gestão dos recursos públicos.
Com efeito, depois da corrupção, praga que nos dias que correm atinge níveis insuportáveis, a má gestão pode ser encarada como a segunda mais perniciosa chaga que acomete a administração pública brasileira – e que com incomum frequência anda de braços dados com a primeira –, o que se reflete na péssima qualidade e insuficiência dos serviços públicos ofertados à sociedade.
Em arremate, é inegável que a Lei n. 13.460/2017, ainda que com décadas de atraso e mesmo não estabelecendo prazos para as regulamentações ou consequências jurídicas para o seu desatendimento, representa um importante avanço rumo ao incremento da qualidade dos serviços públicos e abre mais uma frente de atuação para o Ministério Público de Contas no quotidiano combate à má administração dos recursos públicos. Vale aqui o ancestral provérbio utilius tarde quam nuquam!
* O autor é Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Estado de Rondônia e membro (vice-Presidente para a Região Norte) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas – CNPGC.
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[1] Art. 37, § 3º, CF/88 (redação original): “As reclamações relativas à prestação de serviços públicos serão disciplinadas em lei”.
[2] Objeto do Projeto Substitutivo da Câmara dos Deputados n. 20/2005. Antes já tramitara na própria Câmara o PL n.674/1999 e seu Substitutivo de n. 6.953/2002.
[3] Art. 37, § 3º, CF/88 (redação da EC n. 19/1998): “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5 º, X e XXXIII; III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública”.
[4] Proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
[5] Em verdade, esse prazo já vinha fixado no art. 27 da Emenda Constitucional n. 19/1998
[6] A lei passou ao largo, a título de exemplo, da disciplina da representação contra a atuação negligente ou abusiva de agentes públicos.
[7] Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública, São Paulo, Malheiros, 2007, p. 20.
[8] Alçada ao patamar de princípio constitucional pela mesma EC n. 19/1998.
[9] Tal previsão não se confunde com o direito de acesso ao agente público ou órgão encarregado de receber manifestações, previsto no art. 6º, VI, c.
[10] “Art. 5º (,,,) I – urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento aos usuários; (…) X – manutenções de instalações salubres, seguras sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento”.
Fonte:TCE/RO