Jorge Jesus volta todo-poderoso a Portugal após sucesso no Brasil
O adeus de Jorge Jesus, 65, ao Flamengo ainda não havia sido oficialmente confirmado na sexta-feira (17) quando a CMTV, emissora de maior audiência em Portugal, interrompeu a sua mesa-redonda esportiva para emitir o alerta de plantão.
O canal divulgou, então, que havia conseguido imagens exclusivas de uma faixa preparada por um grupo de torcedores do Benfica para receber o seu novo treinador. “Bem-vindo a casa! Seis milhões à tua espera”, escreveram, com o rosto de Jesus ao centro.É uma mostra da megalomania gerada por um dos maiores negócios da história do futebol português.
Com um custo estimado em 25 milhões de euros (R$ 153 milhões, incluindo salários dele e da comissão técnica, além da multa paga ao Flamengo), Jesus retorna ao estádio da Luz mais poderoso do que nunca. E parte significativa disso se deve ao sucesso que alcançou em pouco mais de um ano no comando rubro-negro, com cinco títulos no período.
Ao deixar o seu país pela primeira vez, em 2018, para assumir o Al-Hilal, da Arábia Saudita, o técnico vivia um ocaso em sua carreira. Não tinha espaço em nenhum dos três grandes locais.
No Benfica, vira a sua primeira passagem se encerrar com um processo de 14 milhões de euros (R$ 86 milhões, em valores atualizados), acusado pelo clube de roubo de software. Posteriormente, deixou o Sporting após a invasão de uma torcida organizada ao seu treino. Ele chegou a ser agredido com um soco e um cinto. Já o Porto sempre o preteriu.
Foi preciso cruzar o oceano e, enfim, realizar o seu sonho de trabalhar no Brasil para recuperar o prestígio no mercado. Reverenciado pelos flamenguistas, o “Mister”, como ficou carinhosamente conhecido, desembarcará de volta a Lisboa com uma força que não encontra paralelo recente na história local.
A repercussão de sua contratação foi digna de um pop star. O anúncio pelo Benfica dividiu manchetes apenas com a apresentadora Cristina Ferreira, que domina as manhãs televisivas no país e mudou de emissora em outro acordo milionário no mesmo dia.
Esse apelo midiático não surpreende. Foi, na verdade, uma das razões por trás da aposta do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que viajou em avião particular para buscá-lo no Brasil em uma das fases mais conturbadas politicamente desde que assumiu o cargo, em 2003. Em troca dessa blindagem até as eleições do clube, em outubro, entregou as chaves do clube a Jesus.
Falta agora ao treinador fazer jus a essa carta branca. “Esse retorno vem reforçar claramente o seu poder. Não é por acaso que o Benfica vai mudar uma estrutura que se dizia antes ser um de seus alicerces e pilares. E Jesus vai querer ter uma equipe com jogadores de rendimento imediato. Ele nunca foi um técnico que apostasse em jovens da base. Os resultados são fundamentais para o seu sucesso individual”, afirma António Carraça, que foi diretor do Benfica durante o ciclo anterior do “Mister”.
“Além disso, ele ainda tem a perspectiva de treinar um dos grandes europeus e, sem dúvida nenhuma, o caminho passa pelo sucesso na Liga dos Campeões. Por isso, o seu poder vai ser total. Na medida em que o projeto será, acima de tudo, vencer e convencer, teremos o Sport Lisboa e Jesus. Ele será o treinador com mais poder no futebol português”, completa, em alusão ao nome completo da agremiação, Sport Lisboa e Benfica.
Um dos primeiros a sinalizar a volta de Jesus ao cenário local, o agora comentarista do Canal 11 tem a expectativa de ver como o técnico irá se comportar após seus desafios no exterior.
“Esses trabalhos no Brasil e na Arábia deram mais mundo a Jesus, que nunca havia saído de Portugal. Acredito que essas experiências em realidade distintas possam ter ajudado que o treinador e o homem tenham, vamos dizer, evoluído. Um dos grandes problemas de Jorge Jesus, que é um profissional com enorme qualidade por seu conteúdo e pela forma como vê, entende e prepara o jogo, sempre foi o seu caráter, personalidade, ter dificuldade em trabalhar em equipe”, analisa Carraça.
Para ele, o fato de Jesus ter ganhado três ligas portuguesas em nove anos (seis no Benfica e três no Sporting) treinando equipes com os maiores orçamentos representa um fracasso do ponto de vista de resultados.
Ao fim de sua primeira passagem pelo Benfica, em 2015, Jesus deixou o clube acusado publicamente de traidor e considerado também obsoleto, após se negar a dar mais chances para jovens atletas.
Naquela altura, ficou mais de um ano rompido com Vieira, seu vizinho na grande Lisboa. Viu ainda sua imagem ser retirada da foto do título português recém-conquistado e foi impedido de recolher seus pertences no centro de treinamento. Esses ingredientes fazem com que o retorno, a despeito de seu poder, não seja aceito por todos na arquibancada.
“A cobrança será muito grande, especialmente, por causa da fratura que existe dentro do universo da família benfiquista. Mas sabe como se obtém esse consenso? Com as vitórias. Logo de cara, ele tem um objetivo imediato: a classificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões. O segundo é reconquistar o campeonato”, afirma Toni, uma das principais lendas do Benfica, alertando para a queda do nível do elenco.
“No passado, ele deixou a sua marca com os títulos, o futebol praticado, a organização da equipe, mas para isso teve também a qualidade dos jogadores que passaram. É um pouco aquilo que ele fez no Flamengo: teve grandes jogadores, os potencializou e o resto da história sabemos. Quer Benfica, quer Porto, quer Sporting, perderam qualidade desde então. Essa afirmação não é minha, é do próprio Jesus”, conclui.
Após dar adeus ao clube rubro-negro como herói e ao Brasil como um exemplo, Jesus parte agora para a reconquista dos corações entre seus compatriotas. Com um poder inédito na carreira, assim como a pressão.
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